terça-feira, 8 de fevereiro de 2011



08 de fevereiro de 2011 | N° 16605
CLÁUDIO MORENO


Os frutos dourados do ócio

Os que me dizem que não se aposentam porque temem que o dinheiro acabe virando fumaça, esses eu entendo muito bem, pois, a julgar pelo que vem acontecendo todos os dias, isso, mais do que possível, tornou-se agora muito provável.

Aos que hesitam, no entanto, porque temem que suas vidas se tornem vazias e tediosas, a esses eu recomendo a leitura dos clássicos, que sabiam muito bem o que fazer com o tempo que ganhamos quando deixamos de trabalhar.

Sêneca, sempre tão rico em exemplos, conta-nos a história de um tal Sexto Turânio, alto funcionário da administração romana, que por mais de três décadas foi o encarregado de abastecer de trigo toda a cidade imperial.

Quando completou 90 anos, o próprio imperador Calígula dispensou-o do cargo e o mandou para casa – segundo uns, para se livrar do velho, que era honesto e diligente; segundo outros, para lhe dar o descanso que merecia.

Fosse qual fosse o motivo, tal foi o desespero de Turânio que ele se recolheu ao leito dizendo que preferia morrer a se aposentar, pedindo que toda a família, junto com a extensa criadagem, ficasse ali, a seu redor, para acompanhar os seus últimos momentos. A casa inteira, com soluços e lágrimas, juntou sua tristeza à de seu velho amo, e a choradeira geral só terminou quando o imperador reconsiderou sua decisão e o chamou de volta ao trabalho.

É fácil, para nós, entender o desespero deste pobre funcionário – tão parecido conosco –, ao ser descartado como peça imprestável depois de tantos anos de serviço. O próprio Sêneca não esconde sua compaixão pelo infeliz, embora por razões bem diferentes das nossas.

Para ele, este é o triste exemplo de um homem que a escravidão do trabalho cegou e que por isso não percebe que acaba de ganhar um dos prêmios mais cobiçados da existência: o fruto dourado do ócio, sonho de todos os homens da Antiguidade, mas privilégio de poucos afortunados.

Para um romano, viver no ócio (“otium”, em Latim) era estar disponível para dedicar-se aos amigos, à Natureza, à família, à arte, ao estudo e ao amor. Era libertar-se da tortura do trabalho para empregar esse tempo valioso no que era realmente essencial e importante.

Os que não tinham a sorte de usufruí-lo tinham de se submeter ao que os romanos chamavam de “nec otium” – o não ócio, o negócio, o trabalho forçado e alienante. Sêneca realmente não podia entender – e alguém consegue? – o estranhíssimo comportamento de Sexto Turânio, que, em vez de usufruir a graça que lhe concederam, fechou-se em casa para esperar a morte.

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