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sábado, 5 de fevereiro de 2011
05 de fevereiro de 2011 | N° 16602
NILSON SOUZA
O rei gago
Um amigo viajante me presenteou com O Discurso do Rei, que estará na tela dos cinemas brasileiros na próxima semana e no palco do Oscar no dia 27, com nada menos do que 12 indicações para o prêmio. Já estou torcendo por ele, principalmente por alguns atores de desempenho espetacular. O filme conta o drama real do monarca britânico George VI, portador de uma gagueira paralisante.
É uma emocionante história de superação, que pega o espectador desprevenido em vários momentos. O rei gago (Colin Firth) é ótimo, mas o personagem mais fascinante é o terapeuta da fala interpretado por Geoffrey Rush – uma espécie de doutor House da fonoaudiologia. Fico por aqui, não quero estragar a surpresa de ninguém.
Mas quero comentar dois aspectos relacionados ao filme que talvez mereçam maiores reflexões. O primeiro deles é exatamente o mote da história, a gagueira, uma dificuldade de expressão que leva o portador a repetir sílabas ou a fazer grandes pausas entre as palavras. Invariavelmente, o gago é alvo de chacotas.
As pessoas acham engraçado ouvir alguém que trava na hora de dizer alguma coisa. Alguns ouvintes ficam ansiosos, tentam ajudar. É natural isso.
Tem até um caso folclórico do jornalismo esportivo que retrata bem esta angústia, embora não envolva gagueira. O locutor José Aldair, então âncora do principal noticioso da Rádio Gaúcha, costumava dar uma pausa na hora de ler a notícia sobre esportes. Com o seu conhecido vozeirão, dizia: “Essssss... portiva”.
Um dia estava lendo as notícias na presença do veterano comentarista Oswaldo Rolla, o Foguinho, que aguardava no estúdio a sua hora de entrar no Sala de Redação. Ao ver o companheiro trancar no “Essss...”, seu Rolla não teve dúvidas e completou com o seu sotaque cheio de erres:
– porrrtiva!
Os ouvintes devem ter dado boas risadas. Mas os gagos não acham a mínima graça das imitações e das anedotas de que são vítimas. A gagueira pode parecer um incômodo menor para quem não tem a dificuldade, mas é um grande problema para o seu portador.
Muitas vezes, mexe profundamente com a autoestima da pessoa, prejudica sua carreira e se torna um fator de exclusão social (e até mesmo familiar, como se vê no filme). Se não podemos ajudá-los a superar a imperfeição, como faz o irreverente terapeuta da história, o melhor que devemos fazer é procurar compreendê-los e respeitá-los.
O outro aspecto curioso, na minha interpretação, é que a maior riqueza do filme são exatamente os diálogos inteligentes – entre um rei gago e um plebeu de pouca conversa. Sinto-me tentado a ampliar o milenar aforismo: se a palavra é prata e o silêncio é ouro, a soma dos dois pode ser brilhante.
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