terça-feira, 15 de fevereiro de 2011



15 de fevereiro de 2011 | N° 16612
LUÍS AUGUSTO FISCHER


Aprender a ver-se

Eu ando cheio de memórias, algumas das quais tenho a impressão que podem valer a pena para algum leitor. Ocorreu que era o começo da era do videocassete, aparelho ora já falecido. As escolas começaram a comprar aquelas máquinas que reproduziam filmes e permitiam filmar imagens em movimento, feito cinema, mas com um custo baratésimo.

Hoje isso é nada perto do que existe – dá pra participar de festival de cinema só filmando em celular –, mas naquele começo de década de 1980 essas tecnologias eram ouro.

E calhou que a escola em que eu trabalhava comprou equipamentos assim e logo percebeu que era preciso alguém aprender a manejar aquilo. Alguma boa alma da direção ofereceu a professores jovens, como era o meu caso, a possibilidade de fazer um curso de extensão na PUC. Na época a TVE estava funcionando lá mesmo, e seria nos aparelhos da estatal que nós teríamos aulas. Pois bem: aprendi muito.

Aprendi a enquadrar, a aproximar e a afastar o objeto; vi como se faziam os cortes na mesa; ajudei a acender as luzes e apontar os holofotes; apontei microfone para colegas. Mas o que realmente mais me valeu foi algo que, se eu pudesse, recomendaria a todos os cursos de formação de professores: aprendi a me ver.

Porque alguns exercícios que fazíamos tinham isso: a gente ia lá e improvisava alguma fala, depois lia um texto, tudo sendo gravado. E depois essas imagens eram vistas e comentadas pelo professor (que nem era lá essas coisas).

Para mim o que realmente pegou foi ver a minha ação de um ângulo externo a mim. E então percebi meus gestos, minhas caretas, minhas ênfases, a força e a fraqueza da voz. Coisas que qualquer aluno viu em mim desde que eu comecei a dar aulas, mas que eu nem imaginava existir. Pude então corrigir algum defeito mais duro e aproveitar traços bons. Me ajudou muito saber de mim desse jeito, pode crer.

P.S.: duas terças atrás, troquei dois nomes, sem querer. Disse que fui colega, no começo da vida de professor, de um velho mestre chamado Vitor Ripoll, de Matemática. Ocorre que esse professor de Matemática se chamava Emílio e era irmão do Vitor.

(Quem me chamou a atenção foi Aron Taitelbaum, atento colorado e velho professor de Matemática da UFRGS.) De Vitor fui aluno de Cristalografia, quando, umas três encarnações atrás, eu era aluno de Geologia na UFRGS.

O outro é tão imperdoável quanto: tratei de José Carlos o João Carlos Barbosa, que recitava trechos do Martín Fierro de cor e me fez ler muita coisa de que eu precisava e nem sabia ainda. (Grato a Nóris Balbuena pela amável correção.) Memória é bom mas tem que ser precisa.

Nenhum comentário: