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sábado, 19 de fevereiro de 2011
CRISTIANE SEGATTO
A gordura de Ronaldo, a tireoide e a paixão
O Fenômeno deu três bolas fora ao se despedir do futebol
A felicidade que Ronaldo deu ao Brasil é um patrimônio emocional que ninguém nos tira. As grandes arrancadas, os dribles desconcertantes, a agilidade, a rapidez, e a força fizeram, em três Copas do Mundo, cada brasileiro se sentir um camisa 9.
O tempo passou, o Fenômeno engordou, mas será ídolo para sempre. Não precisava, no dia em que anunciou a aposentadoria, tentar justificar o corpo roliço com aquela historinha mal contada de hipotireoidismo. Foi bola fora.
Ronaldo mencionou o hipotireoidismo como se ele fosse um atenuante. Como se a disfunção da tireoide pudesse explicar os cerca de 20 kg que engordou desde 2002. “Muitos devem estar arrependidos de terem feito tanta chacota com meu peso”, disse aos jornalistas.
A coisa não é bem assim. O hipotireoidismo ocorre quando a glândula tireoide (localizada no pescoço, logo abaixo do Pomo de Adão) não funciona de maneira correta. Ela passa a liberar hormônios (T3 e T4) em quantidade insuficiente. A disfunção facilita o aumento de peso porque provoca retenção de líquido - e não o aumento da gordura corporal. Por causa do inchaço, o ponteiro da balança sobe três, cinco, seis quilos. Não é coisa de 10 kg. Muitos menos de 20 kg.
“É improvável que o ganho de peso do Ronaldo tenha sido provocado pelo hipotireoidismo”, diz Ricardo Meirelles, presidente da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia.
Ronaldo disse também que não se tratou porque o remédio poderia ser detectado no exame antidoping. Era a segunda bola fora. No mesmo dia os especialistas esclareceram que o remédio não consta na lista de substâncias proibidas pela Agência Mundial Antidoping.
O tratamento do hipotireoidismo é simples e barato (de R$ 11 a R$ 40 por mês). A substância levotiroxina é igual ao hormônio natural produzido pela glândula. Basta a pessoa tomar um comprimido por dia em jejum. Se respeitada a dose correta, não há nenhum efeito colateral. Muitos brasileiros passam por isso sem maiores dificuldades. O problema é mais comum no sexo feminino. Anualmente, quatro mulheres a cada 1.000 têm o problema. Para cada oito mulheres, um homem apresenta a disfunção.
Dois meses depois do início do tratamento a maioria das pessoas se recupera completamente. Mas precisa fazer avaliações periódicas e continuar repondo o hormônio de acordo com a necessidade.
A terceira bola fora de Ronaldo foi ter escondido o fato de que, na verdade, havia se tratado. A doença diagnosticada em 2007, quando ele estava no italiano Milan, foi tratada com levotiroxina. Assim como o Milan, o Corinthians comunicou a Fifa e a Agência Mundial Antidoping que Ronaldo estava tomando o remédio. Julio Stancati, médico do Corinthians, declarou que o tratamento foi retomado em janeiro deste ano.
Por que esconder isso? O tratamento de uma doença simples, comum e de fácil controle em nada comprometeria a imagem e o desempenho do Fenômeno. Por outro lado, ficar sem tratamento produziria riscos inaceitáveis: fadiga, raciocínio lento, desânimo, colesterol alto etc.
Ao tentar atribuir o ganho de peso ao hipotireoidismo, Ronaldo reproduz um costume popular. Quem não conhece alguém que já recorreu a esse expediente? Essa tradição vem do tempo em que o diagnóstico das doenças da tireóide era muito difícil. Sem os exames atuais que são capazes de dosar a quantidade de hormônios T3 e T4 no sangue, muitos diagnósticos eram errados. A pessoa engordava por outras razões, mas a tireóide era responsabilizada. Virou uma desculpa disseminada.
Ao dizer que tem problemas de tireoide, os gordinhos se sentem perdoados. É como se reafirmassem que, se não emagrecem, não é por falta de força de vontade. O discurso cruel da força de vontade sustenta o julgamento que lançamos sobre os obesos o tempo todo -- explicitamente ou em silêncio.
Estamos cansados de saber que dieta equilibrada e atividade física é a melhor forma de combater a obesidade e manter o bem-estar. Mas insistir em dizer que só é gordo quem quer é uma tremenda bobagem. Metade dos obesos não consegue emagrecer fazendo apenas o que os malhadões da TV nos dizem para fazer. Precisam de remédios, psicoterapia e -- em casos graves -- cirurgia.
A obesidade é uma doença. Complexa, multifatorial, mal compreendida por grande parte da sociedade. Não podemos permitir que, em função da nossa ignorância a respeito dos fatores que a desencadeiam, os obesos sejam encarados como fracos e preguiçosos.
Os gordinhos, os gordos, os gordões já enfrentam problemas demais nesse mundo cada vez mais obesofóbico. Não precisam carregar também a culpa. É preciso entender que a sina da humanidade é engordar. Ninguém está livre disso. Uma pessoa de 30 anos que faz tudo certo e tem peso pena raramente chegará aos 50 com o mesmo corpo. Alguns conseguem, é claro, mas representam a absoluta minoria.
A obesidade é o preço que pagamos pelo conforto que não tínhamos no tempo das cavernas. Queremos tudo à mão.Comida farta, controle remoto, carro com ar-condicionado, direção hidráulica e vidros elétricos. Tudo isso engorda.
Se qualquer um está sujeito ao ganho de peso, o que dizer dos jogadores de futebol? Eles fazem tanto exercício que chegam a gastar 5 mil calorias por dia. Quando estão prestes a se aposentar estão cheios de lesões que limitam a atividade física. Eles se despedem do futebol, mas os hábitos alimentares não mudam.
Continuam ingerindo a mesma quantidade de calorias. Ou muito mais, quando se esbaldam nas festas cheias de comida e bebida. São inúmeros os exemplos de jogadores que engordaram ao final da carreira ou logo depois dela. Ronaldo não está sozinho nessa.
Os últimos lances dele foram melancólicos. Por força das circunstâncias foi encerrar a carreira justamente num time do povo, construído sobre um valor fundamental: a raça. Eu, que tenho um corinthiano doente lá em casa, demorei a entender esse conceito.
Acompanhei a paixão sofrida dele inúmeras vezes. Sempre quietinha, perto do telefone, esperando para ligar para o SAMU no dia em que ele infartar. Depois de tantos anos de convivência, acho que entendi. Para o corinthiano, o jogador não precisa ser craque. Não precisa ser o melhor do mundo. Mas precisa se doar, correr, lutar, dar a alma pelo time. Demonstrar vontade, dedicação e sofrer em campo como o bando de loucos do lado de fora. Raça é tudo isso junto.
Tudo o que Ronaldo não podia mais oferecer. Ele sai para uma segunda carreira sem perder as glórias do passado. Foi um craque de primeira grandeza e será sempre lembrado por isso. Não precisava se embananar na tentativa de explicar seu ganho de peso. Podia ter se poupado de suas três últimas bolas fora.
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