sábado, 12 de fevereiro de 2011



12 de fevereiro de 2011 | N° 16609
NILSON SOUZA


Questão de ordem

Começou como questão gramatical e virou questão ideológica: presidente ou presidenta? Agora já não se discute mais se é certo ou errado chamar dona Dilma de presidenta.

Os dicionários registram a palavra, ela quer assim e o cerimonial da Presidência da República adotou a terminação enta nos documentos oficiais. Ainda assim, parece ser mais numeroso o contingente dos que preferem chamá-la de presidente, apenas antepondo o artigo “a”. Mas, em casos como esse, que envolvem sentimentos represados, não vai ser a maioria que vai decidir.

Outro dia, o ex-presidente José Sarney, discursando no Senado, disse que encaminharia a mensagem à presidente da República. Sua colega Marta Suplicy pediu questão de ordem e bradou:

– Presidente, não. Presidenta!

Do alto de seus galardões, o homem de todos os presidentes – e agora, querendo ou não, de uma presidenta – argumentou que preferia usar a forma francesa, Le président, e concluiu sem se render à inovação. Isso que ele é aliadíssimo do governo. De todos os governos, na verdade.

No início, parecia pejorativo chamar alguém de presidenta, como ainda o é dizer “gerenta” ou mesmo “chefa”. Depois de tanto tempo de domínio masculino nas posições de comando, as palavras que as designam tornaram-se expressões do machismo.

Até por isso, presidenta está se transformando num grito feminista. Por mais esquisito que soe, a expressão não deixa qualquer dúvida de que é uma mulher que está pilotando o país. Aconteceu o mesmo na Argentina.

Cristina Kirchner devolvia a correspondência que chegava à Casa Rosada chamando-a de presidente. Até que os missivistas se acostumaram. Hoje ela é “La presidenta”, ninguém questiona mais o gênero do título. Nem a segunda viúva, que esta semana entrou na pauta política dos nossos vizinhos.

Por aqui, na falta de um tema mais picante, ficamos com a forma de tratamento da nossa recatada mandatária. Pode parecer uma bobagem semântica, mas todo discurso tem uma carga ideológica embutida.

O que é gramaticalmente correto pode ser politicamente incorreto. Ainda mais em tempos de patrulhamento intensivo, como o que estamos vivendo. Dize-me duas palavras e eu te direi se és de esquerda ou de direita, se és liberal ou conservador, se és maragato ou chimango.

Mas, atendendo meu instinto de preservação, não te direi se prefiro presidente ou presidenta. Como não tenho a intenção de mandar nenhuma carta para o Planalto, prefiro o muro.

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