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terça-feira, 10 de novembro de 2009
O Estado de S. Paulo - 10/11/2009
A expulsão da vítima
A expulsão da estudante Geisy Villa Nova Arruda, pela direção da Universidade Bandeirante (Uniban), é mais um triste episódio de uma sucessão de equívocos que começou com a boçalidade dos estudantes que a hostilizaram moralmente por usar vestido curto numa aula do curso de turismo, e que se desdobra agora numa iniciativa de duvidosa legalidade, do ponto técnico-jurídico, e absolutamente desastrosa, em termos de política educacional.
Ao punir a vítima, convertendo-a em ré sem nem mesmo abrir o devido processo e lhe conceder o direito de defesa previsto pela Constituição, a medida adotada pelos diretores da instituição é tão absurda que tanto a Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres quanto o Ministério da Educação (MEC) decidiram questioná-la.
Se for condenada, no plano administrativo a Uniban pode ser impedida de criar novos cursos e abrir vagas. E, como o noticiário da imprensa revelou que, além de difamação, injúria e constrangimento ilegal, Geisy foi vítima de "preconceito de gênero" e "violência sexista", o Conselho Estadual de Direitos Humanos e a Procuradoria-Geral de Justiça também estão avaliando as providências judiciais a serem tomadas.
"A atitude da Uniban representa um profundo e lamentável desrespeito à mulher", diz o promotor Roberto Livianu. "É uma situação ultrapassada culpar a mulher pelas agressões que sofre", afirma a procuradora Luiza Nagib Eluf.
No dia 22 de outubro, Geisy foi insultada, perseguida e encurralada por cerca de 600 alunos nos corredores da universidade em São Bernardo, que a acusaram de ferir a moral e os bons costumes.
Para os diretores da instituição, os gritos e ameaças teriam sido apenas uma "reação de defesa do ambiente escolar" à roupa e às "atitudes provocativas" da estudante. Em nota, eles alegam que "a aluna fez um percurso maior do que o habitual, aumentando sua exposição". Todavia, como reconhecem dirigentes do MEC, membros do Ministério Público, ex-reitores de conceituadas universidades públicas e até integrantes do Conselho Nacional de Educação, a roupa de Geisy não era escandalosa - ela é que seria uma jovem exuberante.
A estética, contudo, é o que menos importa nesse caso. Independentemente do bom ou mau gosto da moda ou dos atributos físicos da estudante, o que realmente merece ser discutido é o comportamento obscurantista daqueles que a agrediram, inclusive ameaçando estuprá-la. Esse é o típico comportamento irracional de massa a que se referem antropólogos, psicólogos, sociólogos e filósofos do porte de Gustave Le Bon, Georges Sorel, Elias Canetti e Hannah Arendt, que estudaram as formas de banalização da violência e de linchamento - inclusive o moral.
Segundo eles, a multidão muitas vezes transforma indivíduos civilizados em hordas de bárbaros, movidos por instintos primitivos, como, por exemplo, nos linchamentos de negros, nos EUA; no terrorismo de fundamentalistas religiosos, como os taleban; nas turbas enfurecidas que destroem o que veem pela frente, como os hooligans ingleses; e como nas guerras entre torcidas nos estádios de futebol, no Brasil. Em todas essas manifestações de massa, poucos são os indivíduos que tentam resistir, não se deixando arrastar pelo fanatismo e pela irresponsabilidade coletiva.
O mais preocupante é que as agressões contra a estudante Geisy ocorreram no âmbito de uma instituição educacional - justamente o local onde deveria prevalecer o saber, a reflexão e a formação moral e acadêmica das novas gerações. A universidade não é só um locus de treinamento e qualificação - acima de tudo, é um ambiente no qual os padrões espirituais e os princípios civilizatórios da tolerância e do respeito ao próximo são cultivados e aperfeiçoados e vão sendo transmitidos de geração em geração.
Por isso, causa espanto o comportamento da Uniban. De uma universidade à altura da sua missão, jamais se poderia esperar que a vítima de um linchamento moral fosse convertida em ré e que os linchadores, que não receberam mais do que uma suspensão, fossem tratados de modo leniente, sob a justificativa de que só defenderam a "dignidade acadêmica e a moralidade".
N. da R. - O editorial já estava na página quando o reitor da Uniban revogou a expulsão da aluna Geisy Arruda.
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