quinta-feira, 12 de novembro de 2009



12 de novembro de 2009 | N° 16153
LETICIA WIERZCHOWSKI


Um momento mágico

Atarde ia pelo meio, e um e-mail pousou na minha caixa de mensagens fazendo tilintar discretamente a campainha que habita as entranhas do meu computador. Discretamente, mas nem tanto: entediada com um texto que não encontrava bom caminho, eu corri a espiar aquela mensagem.

O dito e-mail era um convite de aniversário: uma amiga mandara um pequeno vídeo convidando para a festinha de dois anos da Sofia, sua segunda filha. Após um clique, apareceu a Sofia na minha tela, toda pimpona. Sofia cantava parabéns e mandava beijos, tudo isso num chamamento irresistível, já que não existe coisa mais linda que uma criança pequena falando com a gente. E Sofia falava, ah!, como falava.

Depois desse vídeo, demorei a voltar ao trabalho. Deixei-me ficar ali, vendo e revendo Sofia cantar – fazia tão pouco, ela estava num berço dormindo quietinha e, um pouco antes ainda, Sofia não era mais do que uma promessa crescendo, silenciosa, no ventre da sua mãe.

Eu, às voltas com meu texto onde o brilho teimava em faltar, de repente deparei com o inefável: aquela menininha ali era a grande mágica. Não uma mágica da tecnologia, essa coisa fantástica que nos coloca virtualmente ligados com os outros. A Sofia era uma mágica da vida mesma. Eu tenho dois meninos, e me emociono diariamente com seus progressos, seu crescimento, suas descobertas.

Mas encontrar a pequena Sofia, a quem eu não via fazia alguns meses, cantando na minha frente às três horas de uma improvável tarde chuvosa de terça-feira, me deixou com lágrimas nos olhos. Sofia-pessoa, Sofia-cantora que não desafinava em frente à câmera.

E logo lembrei de um poema lindo de uma Sofia que viveu lá do outro lado do mar, e cresceu, e cantou, e riu e se maravilhou e convidou os amigos para comemorar seus anos, e fez poemas, e teve filhos, envelheceu e morreu entre os seus. “Como o mar dentro de um búzio, o divino sussurra no universo”, escreveu lá em Portugal, um dia, Sophia de Mello Breyner Andresen.

O divino me visitou naquela tarde quando vi minha pequena amiga materializar-se à minha frente (tecnologia houve para levá-la até mim, mas ela, ela mesma era o grande segredo para além de qualquer ciência). Sofia que vinha, que veio, que está entre nós, e, como ela, outras tantas Marianas, e Camilas e Luanas e Tobias e Anas e Claras e Joões maravilhosos deste mundo.

O divino todos os dias, desabrochando feito rosas numa roseira em novembro, ao alcance dos nossos braços, dos nossos abraços. Que devem ser muitos. Sempre.

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