sábado, 14 de novembro de 2009



15 de novembro de 2009 | N° 16156
MOACYR SCLIAR


A hora da verdade

Como muitos, sempre achei Michael Jackson esquisito, para dizer o mínimo. Ali estava aquele cantor de enorme sucesso, ganhando uma grana sem tamanho, morando num absurdo lugar chamado Neverland (evocando a Terra do Nunca da história de Peter Pan, o menino que não queria ficar adulto); tentando branquear a própria pele, no que parecia uma tentativa de escapar à própria identidade, e, por último mas não menos importante, suspeito de pedofilia.

E aí Michael Jackson morre. A morte é uma comum forma de reabilitação – De mortuis nil nisi bonum, dos mortos só se fala bem ou não se fala – e de fato, uma espécie de culto começou a surgir em torno da figura do cantor.

Mas o filme Michael Jackson, This Is It não faz parte desta tendência. Trata-se basicamente de um documentário dirigido por Kenny Ortega que gira em torno ao show que seria apresentado por Jackson. Alguns críticos de cinema não gostaram; provavelmente pela razão de que, afora os números musicais, aparentemente pouco aparece, pouco acontece.

Engano. O filme é tremendamente revelador, o filme é mesmo surpreendente. Mostra um Michael Jackson que nada tem a ver com as imagens escandalosas que dele surgiram através dos tempos; na verdade, mostra que o Michael Jackson cantor, o Michael Jackson artista – sim, porque temos de reconhecer, é de arte que se trata – é uma entidade completamente diferente. Para começar, temos nos ensaios alguém que encara com profunda seriedade aquilo que está fazendo.

O cantor é detalhista, é obsessivo mesmo. Faz questão de que as coisas funcionem à perfeição. Mais que isto, não estamos diante de um cantor temperamental, daqueles que têm ataques de fúria. Não: no trabalho, Michael Jackson mostra-se cortês, afetivo mesmo. E afeto é o que ele obtém daqueles que integram a sua equipe, afeto, respeito, admiração.

Ou seja: era no palco que Michael Jackson encontrava a sua hora da verdade. Fora do palco, ele deveria sumir. Aliás teria sido melhor para ele próprio se sua existência se resumisse à música e à dança. Mas isso, nós sabemos, é coisa impossível na sociedade midiática em que vivemos.

O artista tem de estar presente – como pessoa, junto àquilo que faz – seja música, ou filme, ou livro: ninguém mais escreve sob pseudônimo. As editoras não o aceitariam: querem que o autor esteja presente, para autografar, para dar entrevistas. E é aí que começam os problemas; no caso de Michael Jackson tais problemas levaram-no até ao tribunal. O filme mostra qual era, na verdade a praia dele: era o palco. No palco ele se transfigurava, no palco ele se revelava como artista.

E isso, ao fim e ao cabo, é uma lição para todos nós. Há coisas que sabemos fazer bem, e há coisas que fazemos por equívoco, por ilusão. Tudo indica que, aos 50 anos, Michael Jackson estava prestes a descobrir essa diferença. A vida não lhe permitiu ir adiante. Uma pena. Mas fica o filme: this is it

Agradeço as mensagens de Ruy França, Roni Quevedo, Elizabeth Romero, Leni Almeida, Sara Martins, Dep. Alberto Oliveira, Esther Zamel, Marcia Kern Papaleo, Aron Taitelbaum, Juliana Bohn, Mauricio F.de Macedo, Celina V. F. Kohler, João Paulo R. H. da Silva, José Antonio Pinheiro Machado (“Voltaremos!”), Maira Knopf, Marco Jesus, Themis Lopes, José Diogo Cyrillo da Silva, Maiza S.Maciel, Marcos Barbosa, Wagner Carlos, Leandro Figueiredo, Maria Aparecida G. Z. Zancan, Renato Lampert, Eduardo Trindade, Cassionei N. Petry – e a todos que me cumprimentaram pelo prêmio Jabuti.

Meu abraço a vocês!

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