Aqui voces encontrarão muitas figuras construídas em Fireworks, Flash MX, Swift 3D e outros aplicativos. Encontrarão, também, muitas crônicas de jornais diários, como as do Veríssimo, Martha Medeiros, Paulo Coelho, e de revistas semanais, como as da Veja, Isto É e Época. Espero que ele seja útil a você de alguma maneira, pois esta é uma das razões fundamentais dele existir.
sábado, 21 de novembro de 2009
21 de novembro de 2009 | N° 16162
CLÁUDIA LAITANO
Flor de reacionarismo
Volpi ou Portinari? Nelson Rodrigues e Otto Lara Resende preferiam Portinari, mas os críticos da época (1968) eram Volpi desde criancinhas. Na crônica O Medo de Parecer Idiota, Nelson apanha no ar esse ambiente de “desajuste estético” para dizer mais ou menos o seguinte: gente comum desconfia do que entende (arte, literatura...), enquanto intelectuais têm pânico de parecerem limitados.
O resultado é que uns e outros não confessam seus verdadeiros gostos para não passarem por idiotas. Nelson e seu amigo-personagem Otto, envergonhados do próprio analfabetismo visual, só têm coragem de revelar sua preferência por Portinari trancados no banheiro: “E ali, no banheiro inescrutável do Helio Pellegrino, cada um de nós se concedeu o direito de ser, por um momento, um pleno, chapado, eufórico idiota plástico”.
O leitor que vem acompanhando as páginas de opinião do jornal nas últimas semanas é tomado por uma sensação de déjà-lu ao deparar com essa crônica de Nelson. Vai aí, com um pouco mais de graça e autoironia, o mesmo raciocínio do professor Voltaire Schilling para desqualificar tanto um escultor consagrado como Carlos Tenius quanto o jovem e pouco conhecido artista Henrique Oliveira, 36 anos, criador da instalação apelidada de Casa-Monstro.
Pois a mesma indignação quanto a uma espécie de “ditadura do gosto” foi o eixo da palestra do jornalista americano Tom Wolfe, em Porto Alegre, na última segunda-feira. Nelson não gostava de Volpi, Voltaire mandaria derreter Tenius. Já Tom Wolfe mira mais alto: acusa a fraude evidente por trás do sucesso de Picasso (que “abandonou a escola de artes antes de aprender anatomia e perspectiva”) e Matisse (que “desenhava mãos que pareciam aspargos”).
Volpi, Tenius, Matisse, Picasso e mesmo o criador da Casa-Monstro sobreviverão sem que eu precise defender o direito da arte de nos desagradar (lembrando Voltaire I, o francês, poderia dizer que com relação à arte também deveria valer o velho princípio iluminista: “Discordo do que dizes, mas defenderei até a morte teu direito de dizeres”).
O que me interessa nessa bronca generalizada com a arte moderna é esse curioso argumento de que o “gosto médio” (Homer Simpson assistindo à Zorra Total é a imagem que me vem a cabeça) está sendo desrespeitado ou sufocado por uma elite que tiraniza o povo com obras “feias” (no caso das artes) ou “chatas” (no caso do cinema, do teatro, da literatura ou mesmo da televisão).
Não sei em que mundo essa gente vive (ou já não vive) – ou melhor, sei. Era um mundo em que realmente valia alguma coisa ser intelectual, estar acima da patuleia, dominar um conhecimento erudito. Nelson cita Sartre como o exemplo mais bem-acabado desse intelectual que dá opinião sobre tudo e é respeitado até quando diz bobagens.
Quase 30 anos depois da morte do filósofo francês, desconfio que não existam muitos nomes desfrutando desse mesmo prestígio intelectual multiuso. Quem se interessa pela opinião dos intelectuais sobre a crise, o apagão, o vestido da Geisy? Pouca gente, eu arriscaria.
Mais aguda do que a ditadura da “aristocracia intelectual”, me parece, é a ditadura da mediocridade, da desqualificação da cultura letrada, da eliminação das diferenças culturais, da estupidificação de estudantes com pouca ou nenhuma exigência na escola, da incapacidade de pensar além do senso comum (como se o que “a maioria” gosta fosse o ápice da civilização ocidental) – ou seja, da dificuldade de sequer vislumbrar, no cotidiano, uma elite intelectual disposta a oprimir nosso gostinho médio.
Tom Wolfe, como suas roupas denunciam, não está confortável em sua própria época – mas pelos motivos errados. Condena a liberdade sexual e as descobertas da genética (sim, a genética) e tem nostalgia do patriotismo descabelado e da moral de origem religiosa (sim, ele disse isso), além de confessar publicamente a esperança de que uma nova era vitoriana (ironia?) dê jeito nisso tudo mais cedo ou mais tarde.
Parafraseando Nelson, uma genuína flor de reacionarismo – como poucas vezes Porto Alegre viu igual.
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