terça-feira, 17 de novembro de 2009



17 de novembro de 2009 | N° 16158
CLÁUDIO MORENO


O anel que tu me deste

Foi Chesterton quem percebeu a importância que tem o vidro – ou o cristal, seu irmão mais nobre – no mundo dos contos de fadas. Além dos inesquecíveis sapatinhos da Cinderela, há princesas que vivem em castelos de vidro, há montanhas de cristal, e a pura Branca de Neve, envenenada pela maçã, fica guardada num caixão transparente até que o príncipe a faça reviver.

Para Chesterton, o brilho desses artefatos lendários, que podem ser estilhaçados por um gato travesso ou uma criada estabanada, servem para nos lembrar da fragilidade de nossos sonhos.

“Essas histórias da minha infância”, confessa, “acabaram determinando o meu sentimento de mundo. Eu sentia, e sinto ainda, que a vida resplandece como o diamante, mas é quebradiça como uma vidraça”. Para ele, portanto, ser feliz – tanto aqui quanto no país das fadas – exige um cuidado extremo e consciente para não fazer o gesto desastrado que pode pôr tudo a perder.

Esta comparação perderia qualquer sentido se tivesse sido outro o desfecho de uma história estranhíssima que, segundo Suetônio, ocorreu no tempo de Cristo. Um homem que fabricava artefatos de vidro muito apreciados em Roma conseguiu uma audiência com Tibério, a quem entregou um presente digno do imperador, um vaso belíssimo, que foi muito elogiado pela transparência das cores e por sua impecável execução.

Então, num gesto brusco, o artesão tirou o presente das mãos de Tibério e o arremessou no chão com toda a força que tinha – e o vaso, em vez de quebrar, retiniu na pedra como se fosse feito do mais duro bronze.

Diante dos olhos espantados da corte, o artista juntou-o do chão e o examinou com cuidado: o único dano visível era uma amassadela na borda, que ele prontamente corrigiu com os golpes delicados de um martelinho que levava na cintura. Tibério, com ar grave, perguntou-lhe então se alguém mais conhecia a fórmula daquele vidro inquebrável. “Ninguém, além de mim”, foi a orgulhosa resposta do artesão – e sua sentença de morte, porque o imperador mandou cortar-lhe a cabeça e destruir completamente a oficina em que ele trabalhava.

Para uns, Tibério, que os inimigos tachavam de pretensioso, foi movido pela inveja; para outros, agiu assim para evitar que aquela extraordinária descoberta reduzisse a nada o valor do próprio ouro. Nunca saberemos seu real motivo, mas de uma coisa tenho certeza: fazendo o que fez, eternizou essa pungente semelhança entre o vidro e a nossa vida.

Quanto mais fino o cristal, quanto mais leve e transparente, maior é o perigo de vê-lo se desfazer em pedaços – mas, por incrível que pareça, é precisamente essa fragilidade, esse risco iminente de quebrar, o que torna delicado e precioso cada momento que temos para desfrutá-lo.

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