sexta-feira, 27 de novembro de 2009



27 de novembro de 2009 | N° 16168
DAVID COIMBRA


Odeio o lúdico

Garanto que o Lula nunca falou lúdico. Ponto a favor do Lula. Se tem palavra desprezível, é lúdico. Porque ela é o oposto do que significa. Quando alguém diz lúdico, e esse alguém em geral são os caras de teatro ou os que escrevem nos suplementos de cultura, eles, quando dizem lúdico, nunca estão sendo engraçados ou divertidos, nem estão fazendo uma brincadeira. Estão sendo afetados. Lúdico é uma palavra afetada. Palavrinha que se acha.

Lúdico não é como manemolente, que soa exatamente como seu sentido. Manemolente é mole, é a própria pachorra. Aliás, a pachorra é bem pachorrenta. Se você diz pachorra, você sente pachorra. Você não se confunde nem com a semelhança de vocábulos. Nenhum funkeiro ia cantar:

– Só as pachorras! As preparadas!

É importante que as palavras pareçam com o que querem dizer. Tanto que, apesar das 228.500 unidades léxicas à disposição na língua portuguesa, as pessoas volta e meia criam novas palavras mais adequadas, mais sonoras, menos esnobes, que melhor representam o que o falante pretende expressar. As palavras podem nem constar no Houaiss, mas todo mundo entende se alguém diz:

– Que ingresilha! Desta vez o Wianey extradulou. Ficou todo algariado quando deu um xiribitz no computador dele, mandou uma bangornada na tela e estrunchou a máquina todinha.

O Lula se expressaria assim. E todos os brasileiros compreenderiam. É o trunfo dele. Seu discurso é genuíno, e não vai aí nenhum trocadilho com aliados polêmicos.

Agora: não concordo com quem diz ser o Lula um gênio da comunicação. Ouço isso desde seus tempos de presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo. Descreviam-no como um orador envolvente, um carismático de olhos brilhantes que falava diretamente ao coração do povo, munido da linguagem do povo.

Será que era mesmo? Decidi prestar atenção.

Tive várias chances de constatar este suposto poder de Lula. Venho participando de entrevistas com ele desde 1989, quando da primeira eleição direta para presidente depois da Redentora, observando-o a dois metros de distância, procurando em seu olho a tal luz que hipnotiza as massas. Além disso, cada vez que Lula se põe a discursar, apuro os tímpanos. O que identifiquei de tão especial?

Nada.

As imagens que Lula emprega são rasteiras, o raciocínio que o embala é óbvio. Como explicar seu sucesso? Também por isso. Oscar Wilde dizia que, para ser popular, é indispensável ser medíocre. E é. Mas a popularidade de Lula não advém só de sua mediocridade; advém da sua autenticidade. Ele fala o que lhe vem à cabeça, como lhe vem à cabeça. Assim, jamais falaria lúdico. Lúdico é sempre premeditado, ninguém pensa em lúdico sem um naco de reflexão.

Só que o discurso de Lula é autêntico e impensado apenas na forma. No conteúdo é repisado, planejado e, não raro, dissimulado, porque as ações de Lula são assim. São pensadas. São produto de cálculo.

Por saber disso, fico a questionar: por que Lula se aliou tão amorosamente a Ahmadinejad? Por que ridicularizou os protestos pela democracia no Irã? Por que se esforça para legitimar um governo considerado espúrio em todo o Ocidente? Há algo de suspeito por trás disso. Algo que, suponho, não tenha nada de lúdico.

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