segunda-feira, 9 de novembro de 2009



09 de novembro de 2009 | N° 16150
LUIZ ANTONIO DE ASSIS BRASIL


Vera Karam

Estaria a festejar 50 anos.

Impossível imaginá-la com 50 anos. Todos nós retivemos a memória de sua plena juventude.

Tinha o rosto nobre, anguloso, em que perpassavam, por vezes, um pouco de melancolia, um pouco de faceirice, alguma dúvida, mas não só: havia inteligência, que é a última beleza que nos abandona.

A voz, com um acento gutural e sóbrio, contrastava com os lábios sempre sangrantes dos seus pensados cosméticos. Isso lhe dava um ar de inteira disponibilidade aos contrastes da vida. Os cabelos anelados, fartos, a lembrarem os penteados barrocos, perdeu-os nos instantes finais de imerecida doença.

Mas isso não a preocupava tanto quanto a repercussão de seu livro de contos, Há um Incêndio sob a Chuva Rala. Buscava, inquieta e esperançosa, mesmo do leito do hospital, quem lhe comentasse alguma coisa. Dramaturga encenada e reconhecida, julgava-se entretanto amadora nas artes da narrativa ficcional.

Seu antigo professor de escrita criativa telefonou-lhe para saber de sua saúde, e o primeiro que escutou foi: “E então, o que achou do meu livro?” A resposta, tão positiva quanto verdadeira, aparentemente tranquilizou-a. Logo ela ligava de volta, em meio às dores e limitações de seu estado: “Mas gostou mesmo?” Foi preciso que o professor elogiasse contos específicos, personagens, tramas, conflitos. “Isso é pouco. Ainda vou melhorar” - ela disse.

Seu chão primordial era o palco. Trabalhou na cena teatral da Província, participando de várias encenações, mas a pouco e pouco foi descobrindo uma qualidade que lhe estava latente. Passou a escrever peças de teatro. Surgida em meio ao besteirol, do qual hoje muitos se arrependem,

Vera lutou pela primazia e qualidade do texto, o que é evidenciado pela preocupação com a forma. Era possível vê-la, nas aulas, absorta com uma palavra. A mão amparando o queixo, olhar à distância, buscava essa palavra num lugar que só ela conhecia. Então dizia, toda alegre: “Achei!”.

Assim era a Vera Karam. Para alguns sua vida foi breve. Mas qualquer vida é breve: o homem - tragédia e exaltação - é muito mais do que seu transitório corpo. No caso da Vera, sua obra aí está, humana, forte, perene.

Não, a morte não tem mais uma vitória a celebrar.

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