quarta-feira, 18 de novembro de 2009



18 de novembro de 2009 | N° 16159
DAVID COIMBRA


É duro ter que aprender o Nica

Agora, aqui na Zero Hora, a gente tem que aprender um programa chamado Nica. Programa, que digo, é de computador. Ou pelo menos acho que aquilo se chama programa. De computador. Já aprendi muitos desses programas ou coisa que o valha. Por algum motivo, os jornais estão sempre mudando de programa. Evoluindo, suponho. Programa, programa, programa. Será que é mesmo programa?

Mas o Nica esse. Tenho que aprender a manejá-lo. Isso me irrita um pouco. Porque já aprendi tantos programas. Uma vez li um livro sobre Basic e Cobol. São programas também, Basic e Cobol. Acho. O livro era um livro bem grande. Umas 400 páginas. Li tudo, por Deus. Diziam-me que era importantíssimo saber sobre Basic e Cobol, que o futuro das pessoas dependia disso. Então li. Sabe o que aprendi sobre Basic e Cobol lendo todas aquelas 400 páginas por dias inteiros?

Vou dizer agora exatamente o que aprendi: nem uma única lhufa, foi isso que aprendi. Abria uma página do livro de Basic e Cobol e ia consumindo as letras melancolicamente, as palavras iam se formando, iam se tornando frases, mas o sentido das frases a minha mente dispersiva deixava que se evolasse pelo ar do quarto, não se passou um parágrafo daquelas 400 páginas frementes de Basic e Cobol sem que eu me distraísse e me pusesse a pensar, sei lá, nas três vizinhas da frente, Débora, Lisi e Kelly, que adejavam por detrás da grande janela do apartamento delas, uma vestindo um shortinho de verão, a outra de minissaia, a terceira em um vestidinho diáfano. Débora, Lisi e Kelly. Elas lá, eu aqui. Elas frescas e tenras, eu tendo que ler sobre Basic e Cobol por causa do futuro.

O futuro, o futuro, dane-se o futuro, eu pensava, que me banhe o presente com as três irmãs ali tão próximas, que eu atire longe esse cartapácio incompreensível de Basic e Cobol e pule sobre Débora com suas vogais explosivas, e lhe lamba as pernas de alabastro, e lhe mordisque os seios de marfim!

Mas não fiz nada disso. Fiquei lá, com meu livro de Basic e Cobol. Dias desperdiçados. Como desperdiçados foram os dias que consumi aprendendo sobre todos os programas utilizados por todos os jornais nos quais trabalhei.

Basic e Cobol. Nica. Este tempo todo em que me debrucei sobre programas de computador, poderia usufruí-lo lendo os clássicos. Há tantos clássicos que ainda não li. Filmes que ainda não vi. Quantas horas, dias, meses da minha vida investi em programas de computador? Mas não só programas de computador.

Já passei tempo tirando carteira de identidade e perfilando-me em fila de banco. E dia desses fui a uma loja de telefone celular. Você já foi a uma loja de telefone celular? Vá. É uma experiência transcendental. Porque o tempo para, numa loja de telefone celular, e você deixa de existir. Você só fica lá sentado, esperando, esperando, transformando-se, aos poucos, em nada. É um exercício de humildade, tentar ser atendido em uma loja de telefone celular.

Eu mesmo saí daquela loja sem que ninguém falasse comigo, saí com meu velho celular e com meus velhos problemas celulares, mas com um sentimento renovado de que somos realmente insignificantes, nós seres humanos, diante da grandeza do universo, da onipotência do Senhor e do poder da loja de telefone celular.

Aquele tempo em que fiquei lá dentro, daquela loja de telefone celular, somou-se ao tempo que dediquei ao aprendizado dos programas de computador Basic, Cobol, vários outros e agora o Nica, às filas todas em que entrei, aos pastosos minutos em que estive sentado em cadeiras de salas de espera e às horas que despendi assistindo aos amistosos da Seleção Brasileira. Quanto tempo perdido, meu Deus!

Desse jeito, nunca vou conseguir ler todos os clássicos.

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