sexta-feira, 20 de novembro de 2009



20 de novembro de 2009 | N° 16161
DAVID COIMBRA


O louco ao lado

Na primeira vez em que trabalhei na Zero Hora, havia por aqui um velho jornalista, um subeditor, que, vou contar, ele era um tipo intrigante. Homiziava-se em certo escaninho da Editoria de Economia, ou talvez fosse nas entranhas úmidas da Geral, não sei, vai ver ajudava a montar algum caderno escuso, alguma seção sombria, devia ser responsável por uma esquina de página de leitura rarefeita.
Jamais escreveu no jornal, e jamais ouvi o som de sua voz. Andava com seu passo cansado pela ala oeste da Redação, escorria pastoso por entre as mesas, e suspirava.

Lembro que suspirava muito.

Nem notei quando saiu do jornal. Pediu demissão, ou foi demitido, duvido que alguém saiba o que aconteceu. Despercebida e lentamente, esgueirou-se para fora da Redação, ele que havia sido sempre lento e despercebido.

Sumiu, enfim.

Fui saber do seu paradeiro muitos anos depois: emigrou para outro emprego, uma assessoria qualquer, e foi na assessoria que se deu: uma tarde, sem motivo aparente, ele saltou da cadeira que ocupava, emitiu um grito primevo, quebrou tudo o que havia na sala e foi embora, no rumo definitivo do esquecimento.

Houve quem dissesse dele: enlouqueceu. É o que se diz de gente como a enfermeira que administrava sedativos aos nenês do berçário de Canoas ou o major-psiquiatra que dizimou à bala metade do seu pelotão nos Estados Unidos. Não é verdade. Eles não ficaram loucos. Sempre foram. Mas o restante da humanidade só viu isso depois que passaram por surtos.

Certo. Agora me diga: e se os surtos não tivessem ocorrido? Eles continuariam sendo loucos, continuariam contaminando seus semelhantes com seus desajustes ad eternum.

Só que um subeditor perturbado pode, no máximo, tecer um intertítulo quebrado ou uma legenda ilógica, pode chatear o colega ao lado ou a esposa, se tiver uma.

Mas o major-psiquiatra, antes de cometer os assassinatos, que gênero de conselhos dava a quem o procurava suplicando por ajuda? Quantas vidas não arruinou com sua mente doentia? E a enfermeira da maternidade? Que tratamento dispensava aos nenês que tinha sob seus cuidados?

Os ataques que tiveram os denunciaram. Seria tão fácil se todos os atormentados, paranoicos, esquizofrênicos e neurastênicos que nos cercam fossem acometidos por surtos. Porque eles estão aí, por toda parte, e ninguém pode fazer nada a respeito, apenas porque a loucura deles não explode em público.

O seu chefe. Será que ele é bem certo? Será que não sente prazer em oprimir os subordinados? Em jogar com a vida deles? O porteiro mal-humorado, o motorista do ônibus escolar do seu filho, o seu vizinho irritante.

Você garante pela sanidade mental deles? Pior: e os eleitos pelo voto? O governador, o prefeito, o presidente, quem pode assegurar que não sejam malucos?

Há muita gente doente influenciando o seu destino, acredite. Olhe para o lado. Preste atenção. Cuidado com eles.

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