segunda-feira, 9 de novembro de 2009



09 de novembro de 2009 | N° 16150
SERGIO FARACO


Marlene

Todas as emoções que tive na vida, menos ou mais intensas, deixaram suas marcas em minha têmpera. Uma delas, contudo, destacou-se das demais, tanto pela intensidade como por ser de um tipo que te leva a pensar que, entre os humanos, tiveste a glória de ser um dos escolhidos. Em 1964, num teatro de Moscou, ouvi Marlene Dietrich cantar.

Eu já havia assistido ao filme O Anjo Azul, realizado por Josef von Sternberg em 1930, que projetou Marlene no universo hollywoodiano, e trazia viva na lembrança a imagem da bela, provocante, perversa cantora de cabaré, Lola-Lola, que seduz e leva à loucura e à morte o infeliz professor de literatura inglesa, Immanuel Rath, representado na tela pelo ator alemão Emil Jannings.

Fui ao teatro para ver um mito, o da femme fatale. E não é que vi? Aos 63 anos, conservava Marlene a formosura do rosto, com seu ríctus de devassidão e decadência, as linhas sensualíssimas do corpo, e o vestido de plumas brancas descobria as prodigiosas pernas que, nos anos 30, foram consideradas as mais perfeitas do planeta. Fazia-se acompanhar tão-só de um violão. Sua voz grave arrebatava a plateia, como se estivéssemos todos, ela e nós, num boudoir de suave e licencioso calor.

Entre outras canções, cantou Where Have All the Flowers Gone? e Falling in Love Again (de O Anjo Azul), e quando cantou aquela que seria a derradeira, a clássica Lili Marleen, foi ovacionada de pé e teve de voltar duas vezes à ribalta para repeti-la. Sobre ela escrevera Hemingway: “Se nada tivesse além da voz, só com esta despedaçaria nosso coração”. E era pouco. Ela te roubava a alma.

Um biógrafo de Marlene conta que, numa das apresentações de Moscou, “houve 45 minutos de bis diante de uma plateia de 1.350 pessoas”. E Marlene teria dito, aos últimos aplausos: “Devo dizer-lhes que os amo há muito tempo. A razão por que os amo é que vocês não têm nenhuma emoção morna. Ou são muito tristes ou muito felizes. Sinto-me orgulhosa em poder dizer que eu mesma tenho uma alma russa”.

Conta também que Marlene se enamorara da autobiografia do escritor Kostantin Paustovski.

Ao saber que ele se encontrava no teatro para ouvi-la, comoveu-se, e não sabendo como traduzir seu sentimento, ajoelhou-se diante dele. E Paustovski chorou. Eu tinha escolhido outro dia para vê-la e não testemunhei essa cena tão tocante. Seria pedir demais aos fados.

Ótima segunda-feira e uma excelente semana para todos nós.

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