terça-feira, 24 de novembro de 2009



24 de novembro de 2009 | N° 16165
LIBERATO VIEIRA DA CUNHA


Entre dois mundos

Num entardecer de novembro de 1989, precisamente há 20 anos, Lauro Schirmer, então diretor de Zero Hora, me chamou à sua sala para mostrar o que foi um dos acontecimentos mais importantes do século 20. Na tela da televisão, uma multidão, na noite de Berlim, se apropriava do Muro e o punha abaixo, desafiando a bipolarização do mundo entre duas superpotências e acabando com a cisão de um país dividido contra si mesmo.

Contemplei emocionado aquele capítulo vivo da História e disse a Lauro que não me faltava ver mais nada.

Eu era sincero. Conheci Berlim em 1980, ainda dilacerada, e não esqueço a primeira vez que transpus suas fronteiras. O ônibus cruzou o Checkpoint Charlie, e logo um impressionante aparato da polícia oriental nos cercou. Meus companheiros de travessia e eu fomos cuidadosamente revistados e meu passaporte examinado como se fosse uma arma letal. Depois de uma excursão por entre ruínas da II Guerra e a monumental arquitetura socialista – imensos pombais de mínimos apartamentos – retornamos ao ponto original.

Aí aconteceu o ápice da vigilância. Guardas fardados nos cercaram, aparatos com espelhos escrutinaram a parte inferior do ônibus, cães enormes farejaram cada recanto do veículo. Nunca me esqueci dessa cena.

Tornei a Berlim em 1982. A rigidez do lado leste era a mesma. Ainda assim, em algum fim de semana – eu tirava um curso de Jornalismo Avançado que durava três meses – volvia a cruzar a fronteira, dessa vez por Friederichstrasse. O roteiro incluía a fantasmagórica visão de uma estação de metrô mantida exatamente como era no dia em que o Muro foi erguido, aí incluídos anúncios de artigos havia muito esquecidos e arquivados. Era como se o tempo tivesse parado.

Regressei em 1987 para outros três meses também assombrados pela divisão entre dois universos.

Houve 1989. Voltei em 1991, mas então os espectros se tinham dissipado. Onde antes resistia o Muro, já não se via sinal de sua existência.

Era como se eu caminhasse por um pedaço de calendário olvidado pela evolução da humanidade.

Melhor assim.

A liberdade é algo que não tem preço.

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