segunda-feira, 16 de novembro de 2009



16 de novembro de 2009 | N° 16157
KLEDIR RAMIL


Elevador

Quando conheci o cantor Chico Cesar, ele me olhou e começou a cantar Elevador, música de minha autoria. E, para minha surpresa, sabia a letra inteira. Chico é natural de Catolé do Rocha e eu não fazia ideia de como uma gravação do Almôndegas tinha ido parar em uma cidadezinha do interior da Paraíba. O ouvido curioso de um radialista de lá havia descoberto a canção e transformado em sucesso local.

Elevador canta o universo mágico de artistas plásticos, atores e músicos que circulavam nos anos 70 pelo Instituto de Artes da UFRGS, onde eu estudava Composição e Regência.

É uma homenagem através da figura do velho elevador de porta pantográfica que se arrastava para subir aqueles sete andares. Para nós, simbolicamente, depois do sétimo chakra vinha o Nirvana. Lá em cima, subindo mais um lance de escada, chegávamos ao paraíso, uma magnífica trindade formada pelo bar, o Centro Acadêmico e a sala de aula do professor Armando Albuquerque.

Era uma época em que vivíamos de sonhos. Ali, no paraíso do sétimo andar, fizemos planos de mudar o mundo através de um novo corte de cabelo, um novo figurino e, principalmente, através de uma nova postura de vida.

Foi uma geração extraordinária, que rompeu com todos os tabus sobre sexo, drogas, comportamento e atividade política. Em plena ditadura militar, debaixo de uma violência brutal, estávamos determinados a construir um mundo de paz e de amor. Para chegar ao nosso bunker, era só pegar o elevador do Belas Artes.

Portas pantográficas me lembram minha irmã Branca, que mora em um prédio antigo no bairro de Copacabana, no Rio de Janeiro. Certa vez, voltando pra casa, pegou o elevador, mas a porta não fechou bem. Enfiou a mão através da porta pantográfica e deu um leve toque na porta. Foi o suficiente. A guilhotina fechou, como se fosse a boca de um jacaré e prendeu o braço dela. Desesperada, começou a gritar: “Socorro! Por favor, alguém me ajude! Socorro!”.

A porta de um apartamento do térreo abriu uma pequena fresta e Branca conseguiu enxergar o rosto de um senhor, já com uma certa idade. E ao fundo, ela escutou a voz da velha, aos gritos:

- Não te mete! Não te mete! Deve ser assalto.

Estamos vivendo tempos difíceis. Nos anos 70 sonhamos com um mundo de paz, amor e solidariedade, mas terminamos assim, com o braço preso numa porta pantográfica.

Alguma coisa saiu errada.

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