sábado, 21 de novembro de 2009



22 de novembro de 2009 | N° 16163
MOACYR SCLIAR


A sogra perfeita

A Cidade espanhola de Castellón promove anualmente uma feira de casamentos com artigos para serem usados nas bodas. Este ano, os organizadores resolveram organizar um evento adicional: criaram um concurso que, durante os dias do evento, buscará a sogra perfeita.

Uma idéia ousada, que certamente provocará controvérsia. Sogra perfeita? Mas não é isso uma contradição em termos, segundo muitos genros e noras? A verdade é que sogras têm uma imagem ambivalente, para dizer o mínimo.

É só vocês verem o anedotário a respeito, que é enorme. Nas historinhas, a sogra é sempre retratada como uma figura tão inevitável quanto desagradável, alguém que se mete de forma autoritária na vida de jovens casais (notem a semelhança entre as palavras “sogra” e “ogre”).

Mas existem aí aspectos intrigantes. Em primeiro lugar, esta hostilidade não se estende ao sogro, visto como um cavalheiro distante e às vezes amável e bondoso: o “sogrão” (do qual o Boca, aquele fantástico personagem do Verissimo, é fã). Claro, há momentos em que o pai da moça vira bicho: a figura do rapaz que tinha de casar com a namorada grávida sob ameaça do revólver durante muito tempo fez parte do folclore gaúcho e brasileiro. Mas, consumado o matrimônio, a agressividade habitualmente desaparecia.

Não no caso da sogra. E isso faz pensar que a diferença entre as duas situações tem muito a ver com a maternidade. A sogra é uma mãe que durante anos criou um filho ou uma filha e um dia é obrigada a enfrentar a realidade: eles saem de casa para formar suas próprias famílias. É inevitável, mas é uma frustração. E frustração muitas vezes se exterioriza sob a forma de um comportamento agressivo.

Isso contrasta com a expressão “casa da sogra” um lugar onde o genro, principalmente o genro, tem mordomias e faz o que quer. Daí o contraste, a contradição.

Que, contudo é aparente. Em casa, a sogra refaz, ao menos transitoriamente, a sua posição maternal. Ela volta a cuidar do filho ou da filha, da nora ou do genro. E todo mundo fica contente com isso.

Voltando ao concurso espanhol: os piadistas criarão uma série de definições para sogra perfeita. Sogra perfeita é a sogra que mora em Marte. Sogra perfeita só na ficção. Mas isso é um preconceito, como vimos. A sogra é, antes de mais nada, uma mulher, uma pessoa com seus defeitos e suas qualidades. A sogra é, como se diz em inglês, “mother-in-law”, e os dois componentes da expressão traduzem seus aspectos contraditórios.

Mãe é aquela figura doce e protetora com quem todos sonhamos; mas quando, por força da lei (e o casamento é em grande parte isso) ela tem de assumir uma nova condição os problemas emergem. E esses problemas têm de ser elaborados e compreendidos, por sogras, noras e genros. É neste momento que a sogra pode se aproximar da perfeição pretendida pelo concurso.

Ah, sim. Deixem-me dar um exemplo que conheço bem. Minha sogra, Seldi Oliven, está completando neste fim de semana 90 anos de uma vida bem vivida. Estou apresentando a candidatura dela para sogra perfeita. Acho que ganha.

Não é isso uma contradição, segundo genros e noras?

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