sábado, 28 de novembro de 2009



28 de novembro de 2009 | N° 16169
CLÁUDIA LAITANO


O corpo é meu

A queda do Muro de Berlim levou a fama, mas o tiro de misericórdia na Guerra Fria e nos ideais de esquerda dos anos 60 veio mesmo em 2002, quando uma grife brasileira lançou uma coleção de biquínis estampando a imagem de Che Guevara.

Há casos em que o símbolo é mais eloquente do que os fatos – e nada poderia traduzir melhor a transformação do herói revolucionário em ícone “assimilado pelo sistema” do que ver o homem que sonhou em derrubar o capitalismo desfilando pelas revistas de moda do mundo inteiro no formato sutiã-cortininha.

Minha primeira reação ao ver as fotos da passeata pela liberação do bronzeamento artificial (depois de rir muito da coisa toda, evidentemente) foi pensar que aquelas moças defendendo seu direito à pele torrada estavam fazendo com o movimento feminista mais ou menos a mesma esculhambação que o biquíni fez com o Che Guevara. Ocorre que em meio à coleção de frases bizarras estampadas nas placas levantadas pelas manifestantes (“e o álcool?”, “eu amo bronzeamento”) aparecia um cartazinho com um dos slogans mais caros ao movimento feminista e às passeatas pró-aborto: “Sou dona do meu corpo”. Originalmente, a frase era uma reivindicação libertária.

Foi usada no mundo todo para defender o direito das mulheres de decidir se uma gravidez deveria ou não continuar e apoiar as conquistas da revolução sexual. No centro de Porto Alegre, o slogan virou um inusitado apelo pelo direito de ganhar dinheiro expondo o corpo (alheio, bem entendido) ao risco do câncer de pele, usando a liberdade individual como falso pretexto. Isso é o que eu chamo de guinada ideológica.

Por coincidência, o mesmo slogan havia voltado aos jornais brasileiros fazia pouco mais de duas semanas, mas em um contexto bem diferente. Estudantes da UnB (aqueles mesmos que, no ano passado, conseguiram derrubar um reitor corrupto) fizeram um protesto ousado e bem-humorado: tiraram a roupa para exigir que a reitoria da universidade tomasse uma posição institucional em relação à Uniban e à forma como a universidade paulista tratou o episódio Geisy. Algumas das meninas exibiam a frase “o corpo é meu” pintada abaixo dos seios nus.

Contra a maré da apatia política e a falta de prestígio do movimento estudantil, o velho slogan feminista voltou à cena recuperando, e atualizando, seu sentido original: a defesa do direito das mulheres de escolherem suas roupas (e a maneira como conduzem sua vida sexual) sem medo do apedrejamento moral.

Mais do que a causa em si, o bacana da manifestação da UnB foi ver como o episódio da renúncia do reitor deu força a essa garotada para reivindicar o lugar dos estudantes na arena pública de debates – e não apenas para levantar as bandeiras políticas tradicionais, mas também para colocar em discussão questões de moral (ou falsa moral) como as que o caso da Uniban trouxe à tona.

Um olhar mais atento sobre as jovens manifestantes de Brasília, no entanto, revelaria uma raridade maior ainda, hoje em dia, do que as passeatas de estudantes: peitos de todas as formas, tamanhos e modelos.

Tímidos, exuberantes, assimétricos, naturalmente imperfeitos, aqueles seios de fora foram um manifesto silencioso pela variedade estética. O corpo é delas. Mesmo.

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