segunda-feira, 23 de novembro de 2009


RUY CASTRO

Dilemas

RIO DE JANEIRO - A mão de Thierry Henry conduzindo a bola, a resultar no gol que classificou a França para a Copa do Mundo de 2010, tem permitido aos franceses praticar seu esporte favorito: a discussão ética, moral, filosófica. No caso, discute-se em Paris se a lisura, a verdade e o direito não seriam mais importantes do que a vibração nacional pelo resultado do jogo, aliás, imerecido.

Na França, toda discussão contrapõe teoria e prática, pensamento e ação, ideal e realidade. Já era assim na Revolução de 1789, em que o dístico "Liberdade, Igualdade, Fraternidade" foi esculachado de saída e, mais ainda, durante o Terror (1792-1794). As poucas cabeças que escaparam da guilhotina se perguntavam se não havia ali uma contradição em termos. Sem falar na discussão mais profunda, sobre se liberdade e igualdade seriam politicamente compatíveis.

Na Segunda Guerra, a mesma coisa: como a Alemanha poderia ter ocupado o país com uns poucos soldados e agentes sem um alto colaboracionismo do povo francês? Estabelecido tal colaboracionismo, os pensadores, entre eles Jean-Paul Sartre, extrapolaram para perguntar o que seriam a covardia, o oportunismo e, no geral, a natureza humana.

O mesmo Sartre, em 1947, foi convidado pela Gallimard a escrever um pequeno prefácio para uma edição da poesia de Baudelaire. Sartre aceitou e sentou-se para escrever.

Mas se empolgou e, quando se levantou da cadeira, tinha produzido mil páginas sobre a "alteridade" do poeta. O jeito foi a Gallimard publicar seu texto como um ensaio gigante e incluir no fim a obra de Baudelaire -como apêndice.

Isso explica um habitual dilema dos franceses a respeito de alguma novidade que lhes caia às mãos, seja um conceito, seja um objeto: "Na prática, funciona. Mas funcionará na teoria?".

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