quarta-feira, 25 de novembro de 2009



25 de novembro de 2009 | N° 16166
DAVID COIMBRA


Velhas noites de sexta

Havia um bar bem ao lado do Teatro Presidente, teatro que, aliás, também havia, não há mais, foi-se o teatro, foi-se o bar, muito se foi naquela região da cidade. Edelweiss chamava-se o bar, nome de uma flor e de uma música da Noviça Rebelde.

Bem.

Todas as sextas-feiras íamos ao Edelweiss. Não precisava marcar, era certo: sexta, a partir da última esquina das 11, Edelweiss. O pedido não variava: uma pizza à xadrez que o dono do bar, o Tio Beto, fazia na manteiga, ficava crocante e macia, e não grudava no fundo da forma, uma delícia.

E cerveja, claro. Lembro que um dia cheguei por volta da meia-noite, cansado, sedento, precisando tirar a poeira da garganta, como diria o Tex Willer, e o Tio Beto fez aterrissar aquela garrafa branquinha de tão gelada na minha frente, declarando:

– Esta é melhor maneira de dizer boa noite a um amigo.

Lágrimas de emoção subiram-me aos olhos.

O Chico Trago levava o violão para o Edelweiss e cantávamos madrugada adentro. Mão, violão, canção, estrada e viola enluaradaaaaa...

O pessoal do Taranatiriça também ia tocar lá, e às vezes juntávamos as mesas.

Na hora de ir embora, abríamos a porta da rua e, Cristo!, a luz do sol nos cegava por instantes. Como a luz do sol é deprimente no fim da festa.

De qualquer maneira, era um belo bar, o Edelweiss, desses que não há mais na cidade.

Uma noite, cheguei antes da turma, sentei-me, eu com minha cerveja, e vi três moças que ainda não conhecia, na mesa ali adiante. Estavam entretidas numa conversa audível, não tive como não prestar atenção.

Mas não lembro de nenhum dos assuntos que tratavam, lembro apenas de uma única frase dita pela mais magrinha, a mais sequinha, a mais murchinha, quando a mais exuberante delas levantou-se para ir ao banheiro. Tratava-se, a exuberante, de uma morena magra, porém curvilínea, de cabelo reluzente e olhos d’água. Deslizou cheia de graça para o extremo sul do bar, enquanto as duas amigas a observavam. Aí a tal magrinha, a sequinha, a murchinha falou para a outra, num suspiro:

– Queria saber como é ser bonita como ela...

Foi como se me tivessem sacudido na cadeira. A singeleza triste da observação me enterneceu. Ela dizia, a murchinha, que queria saber como é ser bonita. Ou seja: sabia que não era. Que nunca seria. Mas desejava experimentar a sensação de ser.

Sua vida de feia de nascença decerto ensinara-lhe que, ao contrário do que a literatura e o cinema pregam com tanta generosidade, a beleza faz, sim, diferença. Mais: que alguns simplesmente vêm ao mundo privilegiados. São mais belos, mais inteligentes, mais ricos, têm mais sorte, e isso não significa que sejam menos bondosos, menos decentes, menos dignos.

O que a murchinha certamente sabia é que o mundo não é justo. Às vezes é até cruel. Cabe ao ser humano atenuar essas injustiças, corrigir as distorções da Natureza e dar mais a quem tem menos. Se a vida é torta, o homem tem de lutar pela retidão. Portanto, nada deste injusto e desigual campeonato de pontos corridos. Em nome da justiça e da suspirante murchinha do Edelweiss, que o campeonato volte a ter uma final.

A imoralidade da fórmula

Minha candente desaprovação à fórmula de pontos corridos no Brasileiro não tem a ver com a emoção na competição – qualquer campeonato de futebol, com qualquer fórmula, acaba sendo emocionante. Tenho ojeriza a essa fórmula precisamente pelo motivo alegado para implantá-la: diziam que era justa; é profundamente injusta e desigual. Pior: é imoral.

A prova provada são os jogos que decidirão o precário campeonato deste ano:

São Paulo x Sport

Inter x Santo André

Flamengo x Grêmio

Sport e Santo André já rebaixados e Grêmio cristalizado no meio da tabela. Onde fica a igualdade desses confrontos? São Paulo, Inter e Flamengo enfrentam a pressão de uma decisão contra adversários que jogarão bocejando.

Pode ser bom para o adversário, que não tem razão para nervosismo. Mas também existe a possibilidade de o adversário, por estar bocejando, distrair-se, levar gol e pouco se importar em virar o resultado.

Melhor seria uma fórmula mista, com pontos corridos e uma final com três jogos entre os dois melhores colocados, mas, se tivesse que escolher entre o sistema atual e o antigo, ficaria com o antigo, que exigia do campeão a prova definitiva de ter que passar por uma decisão, com todas as suas solicitações emocionais. Era mais lógico. E mais justo.

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