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sábado, 14 de novembro de 2009
14 de novembro de 2009 | N° 16155
CLÁUDIA LAITANO
Nostalgia do desbunde
No tempo em que esquerda e direita sabiam exatamente onde começava uma e terminava a outra, havia uma terceira via igualmente desprezada por ambas as partes. Para a esquerda brasileira dos anos 60 e 70, a turma do desbunde ignorava a gravidade das circunstâncias, desperdiçando energia com questionamentos existenciais secundários e viagens quimicamente induzidas.
Para os que apoiavam o regime militar, ou eram indiferentes, o termo desbunde nunca foi exatamente corrente, e a maioria teria dificuldades para distinguir um cabeludo engajado de seu similar alienado – ambos, até que provassem em contrário, igualmente ameaçadores.
Desbundar, portanto, era originalmente uma expressão pejorativa. Significava ficar deslumbrado, no sentido de se deixar ingenuamente fascinar por algo que falta – como cusco em pet shop de luxo. E com o que se deslumbravam os desbundados locais?
Basicamente, com a revolução de costumes que entrou em curso nos Estados Unidos e na Europa a partir do final dos anos 60 – ideias de amor livre, igualdade entre os sexos, novos arranjos familiares, ecologia, religiões orientais e outros baratos afins que acabaram sendo assimilados nos anos seguintes.
No Brasil dos anos 80, pós-Anistia, o termo desbunde já era um anacronismo. O mundo caminhava aceleradamente para a celebração do consumo, cristalizada na figura do yuppie – o jovem bem-sucedido cuja maior ousadia era usar gravata de Mickey e rabo de cavalo. Mas como a informação ainda não se teletransportava com a velocidade de hoje, ecos distantes do desbunde ainda se ouviam por aqui.
Nosso pequeno Woodstock, o festival Cio da Terra, veio a acontecer em 1982, 13 anos depois do evento matriz, sem que ninguém achasse estranho – eu, pelo menos, não achei. Esse desbunde fora de época, já despido de boa parte do peso da ditadura militar, ganhou, na minha cabeça de adolescente, um sentido de revelação.
Desbundar era acordar, perder a ingenuidade, descobrir algum assunto que antes ignorávamos e ficar fascinado por ele. No caso do Cio da Terra, eram discussões sobre a Amazônia, poesia alternativa, música que não tocava no rádio – e outras coisas que não posso contar porque minha tia Adelaide vai ler esta coluna. O desbunde, pra mim, tinha esse sentido de iluminação, de despertar para algo que você nem sabia que existia – e toda a empolgação pela novidade.
Desbundar, na acepção do termo que me parece mais interessante até hoje, é ser surpreendido por um conhecimento novo, algo que nos dê aquela sensação de que estamos desbravando um território inexplorado dentro da nossa própria inteligência.
Parece simples, mas essa ideia de que existe algo que escapa ao alcance do nosso conhecimento, e que convém continuar perseguindo até o fim da vida, talvez esteja ela mesma ficando tão obsoleta quanto o termo “desbunde”.
A exposição precoce a doses maciças de informação tem criado, nos espíritos mais acomodados, a falsa impressão de que tudo é sabido, tudo é googleável, tudo é dominado – e o que escapa ao Google não é realmente relevante.
Para seguir se desbundando vida afora, é preciso manter essa disposição de navegar contra a corrente dos sabe-tudo – usando como remo a infalível máxima socrática: só sei que nada sei.
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