segunda-feira, 9 de novembro de 2009



09 de novembro de 2009 | N° 16150
JOSÉ ANTONIO PINHEIRO MACHADO (INTERINO)


Nós éramos eternos

Em Paris, para a exposição de fotografias do Zé Abujamra, Gilberto Perin e mais nove “photografes brésiliens”. Fotógrafos brasileiros brilhando em Paris, parece uma continuidade: Copa 2014, Olimpíada 2016 no Rio... Talvez não seja o século do Brasil, como quer o Lula. Mas a primeira década é promissora.

Temperaturas em Paris entre 2ºC e 6ºC. Viajando, sempre lembro de Júlio Verne. Em sua cidade natal, Nantes, de onde raramente se afastava, Júlio Verne acordava diariamente às cinco da madrugada e trabalhava em seus soberbos livros de viagem até as 11h; depois, lia até as 15h, quando saia para um passeio pelo bairro, e para tomar um copo de leite num café. Às 20h, pontualmente, se recolhia para dormir. Com essa disciplina sem sobressaltos, pôde escrever mais de 100 livros durante 40 anos de trabalho.

As raras viagens que fez se resumiram à Escócia, Escandinávia e Nova York. Pouco para suas magníficas descrições. Júlio Verne recolheu nas leituras e em relatos alheios a matéria-prima para criar, ao pé da lareira, “ilusões de viajar” inesquecíveis, como as legendárias 20 mil léguas submarinas, ou a volta ao mundo em 80 dias.

Certa vez, escrevi uma carta de Paris ao meu irmão Ivan, lembrando a primeira vez que pisamos na antiga capital do mundo, quando começaram a prender, sumir, atirar no mar, etc., os companheiros do pai, e ele achou melhor nos mostrar os encantos da civilização.

Mais de três décadas depois, saí em busca de memórias gastronômicas: nossa cozinha francesa de US$ 10 por dia. Fui a uma antiga boulangerie da Rue Jussieu, que era de duas jovens senhoras: encontrei duas velhinhas. Mas ainda fazendo uns sanduíches bem melhores que aqueles antigos torpedos que adorávamos nas biroscas gregas do Quartier Latin.

Estava começando a nevar, e as velhinhas, sem querer, iluminaram caminhos esquecidos: prepararam um cachorro-quente com queijo derretido, igual ao Pastor, que comíamos na Protásio perto da rua do Telmo Magadan, nos anos 1970.

Pouco antes de viajarmos para a Europa, houve aquela corrida de Fórmula-2 em Tarumã e, na véspera, apareceu lá, no Pastor da Protásio, Ronnie Peterson, num Corcel GT, e surgiu a história do recorde: ele estava em Caxias, queria comer um cachorro-quente, disseram que o bom era em Porto Alegre, no Pastor da Protásio, e ele veio, serra abaixo, pela estrada velha, em 60 minutos cravados.

Ronnie Peterson morreu, bem depois, num GP da Itália, mas o recorde Caxias-Porto Alegre, homologado por uma multa da polícia, segue imbatível.

Comi o Pastor das velhinhas, numa baguete crocante, recém saída do forno, aquela coisa: salsicha de Viena, mostarda de Dijon, queijo gruyère derretido, acompanhado por um cálice de Meursault...

Sou obrigado a admitir: tecnicamente, muito superior ao Pastor da Protásio que encantou o Ronnie Peterson nos anos 1970. Nada disso, no entanto, me abalou. Continuo fiel aos velhos fantasmas. Naquela época, além de tudo, nós éramos eternos.

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