sábado, 21 de novembro de 2009



22 de novembro de 2009 | N° 16163
DAVID COIMBRA


Como manter a cabeça sobre os ombros

O Palácio de Versalhes tem 700 quartos e nenhum banheiro, o que mostra o apreço dos franceses pelo sono e o seu desapego à higiene pessoal. Passei um dia andando por aquelas vastidões e não vi tudo. Não vi a metade. Talvez não tenha visto nem um quinto do que deveria ver.

Vi a Galeria dos Espelhos, onde foi assinado o tratado de paz que encerrou a I Guerra Mundial e deu motivos para começar a II. E caminhei por aqueles compridos e gelados corredores imaginando em qual deles Luís XV foi esfaqueado por um serviçal chamado Damiens em meados do século 18. Damiens atingiu o rei no flanco, feriu-o de leve. Mas a pena a que a Justiça francesa o submeteu não foi leve.

Os carrascos derramaram chumbo derretido em suas entranhas abertas e, depois, ele teve os membros amarrados a quatro cavalos, que os puxaram cada um para um lado. Para facilitar o esquartejamento e diminuir o trabalho dos cavalos, os verdugos cortaram-lhe as axilas e as virilhas.

Essa a França dos iluministas, dos enciclopedistas, de Voltaire. Da Razão. Mas era também a França da realeza sagrada. Donde a necessidade de aplicar uma punição exemplar a um regicida, ainda que fosse um regicida frustrado.

O sucessor de Luís XV, seu neto Luís XVI, tinha, igualmente, a noção do caráter sacro e intocável da monarquia, e igualmente vivia em meio à suntuosidade de Versalhes. Mas, ao contrário dos outros Luíses, não conseguia se fazer respeitar pela fidalguia que o cercava. Luís XVI era gordo, míope e sofria de fimose.

Esse problema impedia que ele consumasse o casamento com Maria Antonieta. Um desperdício. Maria Antonieta era austríaca, loira, formosa e ardente. À noite, Luís esgueirava-se até os aposentos dela por túneis secretos, acolchoados e perenemente iluminados.

Agia assim para que os mexeriqueiros do palácio não ficassem contando quantas vezes ele tentava possuir a rainha. Precaução inútil. Na manhã seguinte, até os diplomatas estrangeiros sabiam que tipo de marcas haviam sido deixadas nos lençóis reais. O embaixador espanhol chegou a escrever em um relatório para Madri:

“São encontrados nos lençóis dos príncipes manchas que revelam que o ato ocorreu, mas muitos atribuem a expulsões externas do delfim, que não teria conseguido concluir a penetração não por problemas de temperamento, mas devido a uma pequena dor em lugar delicado, que se acentua quando ele insiste”.

Um dia, na presença de príncipes e fidalgos, Maria Antonieta reclamou em voz alta:

– O senhor é meu homem. Quando será meu marido?

Hoje as mulheres talvez invertessem as frases, mas Maria Antonieta referia-se especificamente à consumpção do matrimônio.

Luís levou sete anos de humilhações até conseguir satisfazer sua fogosa austríaca. Nesse meio tempo, há suspeitas de que ela tenha se consolado com um oficial sueco espadaúdo, o que transformaria o triste Luís em corno manso, porque o rei sabia de tudo o que ocorria no seu entorno.

O chamado “Gabinete Negro”, uma espécie de serviço de inteligência palaciana, o informava de qualquer movimentação em Versalhes. As cartas dos embaixadores, inclusive, eram copiadas pelos espiões e enviadas a Luís. Ele leu, por exemplo, o que o embaixador da Áustria escreveu a seu respeito numa correspondência para o irmão de Maria Antonieta, o imperador José:

“A natureza parece ter-lhe recusado tudo. O príncipe, em sua atitude e em suas palavras, anuncia uma inteligência muito limitada, uma enorme falta de graça e nenhuma sensibilidade”.

Também ficou ciente da opinião do embaixador de Nápoles:

“Ele parece ter sido criado no mato”.

Esses e outros relatos desairosos dos contemporâneos de Luís XVI sobre o rei você poderá encontrar no saboroso livro que Max Gallo escreveu sobre a Revolução Francesa, lançado recentemente pela L&PM. Trata-se de um livro alentado, mas de estilo tão escorreito que você o lerá, glub, glub, em dois goles.

Segundo Max Gallo, Luís XVI tomava conhecimento do que os outros achavam dele e se deprimia. Teria sido melhor que fizesse como Mário Sérgio, Abel e outros técnicos, que dizem que não leem jornal para não saber o que os jornalistas pensam deles.

Porque, envenenado pela rude opinião alheia, Luís XVI acabou se tornando paranoico, afastou-se das pessoas, inclusive dos seus bons conselheiros e ministros mais competentes.

Isolado, Luís acreditou que o tal caráter sagrado da realeza seria suficiente para resolver todos os graves problemas da França. Não era. A crise francesa se acentuou, gerou a Revolução e Luís XVI e sua bela rainha perderam as reais cabeças na guilhotina.

Portanto, treinadores do Brasil, lembrem-se do velho rei Luís XVI: não tenham mania de perseguição, ouçam os bons conselhos. E, assim, preservem suas cabeças acima do pescoço.

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