sábado, 28 de novembro de 2009



28 de novembro de 2009 | N° 16169
PAULO SANT’ANA


A sina do homem

É preciso largar o cigarro. É preciso largar o açúcar. É preciso largar ou moderar os carboidratos, essa montanha de massas, pães, biscoitos que ingiro, que ingerimos. Eu não bebo, mas quem bebe tem de largar a bebida etc.

E ficar com o quê?

A vida, primeiro, é uma aceitação dos prazeres ou até uma adaptação consumista às necessidades. Lá mais adiante, nos submetem à imperiosidade da renúncia.

No início, é preciso fisgar essa mulher, atraí-la, enchê-la de afeto, satisfazê-la na lascívia, é uma mão de obra descomunal a conquista.

Mais tarde, é preciso largar esta mulher (ou este homem). Ela não era quem eu pensava ou simplesmente me cansou. Mas como largar esta mulher agora que os laços econômicos, sociais, existenciais se estreitaram tanto?

Como largar o cigarro se ele já se incorporou ao meu metabolismo de tal sorte que não suporto a ideia de viver sem ele?

Como largar o arroz de leite, o quindim, os ovos-moles, o pudim de laranja que se esparramam todos diante dos meus olhos na carta de sobremesas?

Mas, então, no meio ou no fim da minha vida, terei de me privar de todos os prazeres a que estou acostumado?

Terei de criar outras delícias, aprender a comer peixe cru como os japoneses? Mas peixe cru não desliza mais pela garganta e pelas glândulas salivares da minha formação alimentar e hedônica. O que desliza redondo em mim, tornando meu dia prazeroso e minha vida feliz, é o sagu com creme de leite.

Então, a vida é um pega e larga constante. Pega o sal, larga o sal, mas só larga o sal depois que estiver bem acostumado com o sal. Com a mulher também. Com os doces, com as massas.

Depois que gostou do sexo, viciou-se no sexo, tem agora de usar a camisinha. O doce é maravilhoso, mas engorda ou eleva perigosamente a taxa glicêmica. Vê se passa para o alimento dietético, mas o alimento dietético e a camisinha são umas porcarias.

A vida é um incessante pegar e largar. Pega o namorado, larga o namorado. Pega o emprego, larga o emprego e mergulha no desespero do desemprego.

Pegar é bom, largar é um inferno. Casar é bom, tanto que todos se casam, mas descasar, que teria também de ser bom, vira um inferno.

Então tem-se de ser muito forte para viver. O homem é um animal muito forte, o mais forte de todos os animais. Porque ele está sempre tendo de iniciar alguma coisa e logo em seguida é obrigado a interromper o processo. E recomeçar tudo de novo.

Não há mente nem corpo que resistam. Se o homem fosse como o camelo ou a capivara, que sempre bebem e comem a mesma coisa, que fazem sexo sem divórcio e não cuidam da saúde nem têm sequer ideia nem medo da morte e do futuro, só então poderia ser feliz.

Nenhum comentário: