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sexta-feira, 14 de novembro de 2008
MIRANDA, O POETA
Poeta tem de ser maldito. Poeta só é bom se alguém fala mal dele.
Precisa gerar algum tipo de ruptura ou de choque perceptivo. Jean-Arthur Rimbaud revolucionou a poesia mundial com 18 anos de idade e abandonou a literatura. Foi ser traficante de armas na África.
Eu adoraria ser comerciante de camelos no Saara. Charles Baudelaire passou a vida nos bordéis. Poeta é assim. Não segue as convenções sociais. Larga tudo pela poesia.
No Rio Grande do Sul, poeta é Luiz de Miranda. Podia ser um publicitário ou um jornalista bem-sucedido. Não quis. Caiu fora. Decidiu viver para a sua poesia. Tem gente que não gosta do Miranda. Eu gosto. Ele sabe conversar. Temos a nossa medida. Não muito. Vez ou outra, quando ele me telefona. É o suficiente. Mas é sempre instrutivo.
Miranda é um dos poucos poetas que podem ser chamados de poeta. Daqueles que podem escrever na carteira de trabalho: poeta. Deve dar justamente um trabalho danado.
Poesia não é o melhor negócio para se ganhar dinheiro. Há muitos anos que Luiz de Miranda é o meu candidato a patrono da Feira do Livro de Porto Alegre. Não que os outros tenham sido mal escolhidos. Charles Kiefer, como seus antecessores, merecia essa homenagem.
Miranda também. Ele é um personagem da cultura gaúcha. Para mim, Miranda faz parte de Porto Alegre como o Beira-Rio, o Guaíba, o Correio do Povo e, especialmente, a Praça da Alfândega. Impossível imaginar uma mesa de bar de escritores sem ele.
Não posso deixar de admirar profundamente um homem que, quando conta uma história, refere-se a si como 'poeta'. Não sei como é a vida cotidiana de Miranda. Nem pretendo perguntar. Imagino-o como uma espécie de Charles Bukowski perambulando pela Cidade Baixa.
Um velho safado? Um bêbado com ar de sátiro? Não. Vejo-o como um boêmio vivendo histórias radicais ou rocambolescas para alimentar os seus poemas feitos de sangue, fantasias, suor, afetos e sêmen.
Poesia dificilmente produz consenso. Há quem não suporte Pablo Neruda. Já ouvi um crítico acusar Neruda de ser fácil, esparramado e pomposo. Eu acho o Neruda de 'Vinte Poemas de Amor e uma Canção Desesperada' genial. Vai direto ao coração. Fala a linguagem da vida. Poesia, em geral, não se faz com bons sentimentos nem com uma vida regrada.
Poeta é que nem jogador de futebol. Não precisa servir para ser genro do leitor, do torcedor ou do treinador. Sem algum grau de escândalo, a poesia fica fria. Sei, vão me citar Drummond e João Cabral. Ou tantos outros. Pode ser.
Contra-atacarei com Vinícius e, mais uma vez, Baudelaire e Rimbaud. Sei, vão dizer que tenho uma visão romântica e anacrônica da poesia. É isso mesmo. Quanto à forma, o romantismo já era. Como experiência de vida para instruir o poeta, continua sendo interessante.
A literatura brasileira anda certinha demais. Para emplacar, o escritor precisa ser bonitinho, engomadinho, mauricinho de segundo caderno. A literatura virou um departamento do marketing.
O resultado é uma ficção com cara de patricinha ordinária exibindo a marca da editora.
Talvez por isso eu me encante mais ainda com os marginais. Sim, no sentido mais nobre dessa palavra, Miranda é um marginal. Vive à margem das instituições e das suas normas sufocantes e chatas.
Escreve nas bordas do imaginário dominante e segue em frente. Encarna a poesia que escreve. Espero que Luiz de Miranda seja o patrono da Feira do Livro de Porto Alegre, em 2009.
juremir@correiodopovo.com.br
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