terça-feira, 25 de novembro de 2008



GUERRILHA LITERÁRIA

Um autor isolado pelos seus adversários, reais ou imaginários, especialmente quando se trata de um crítico da mídia, para sair da clandestinidade precisa entrar na guerrilha literária, caindo em contradições e gerando paradoxos.

Meu colega, o professor e cineasta Carlos Gerbase, escreveu, obviamente sem que eu pedisse, este comentário impressionante sobre meu romance 'Solo'.
'Faz parte dos cânones do pós-modernismo (mesmo que este seja contra cânones) misturar gêneros.

Ou misturar cânones. ‘Solo’ poderia ser um romance intimista: publicitário em crise busca alternativas para uma vida vazia demais. Poderia ser um romance historiográfico: pesquisador cruza a Revolução Federalista do Rio Grande do Sul com o extermínio dos incas, gerando personagens híbridos e tristemente irônicos.

Poderia até ser um romance místico: ateu de carteirinha faz o caminho de Machu Picchu, lê os evangelhos apócrifos e descobre a sua espiritualidade. ‘Solo’, contudo, resolve ser tudo ao mesmo tempo, e ainda pretende desmontar os gêneros que vão se sucedendo. No registro intimista, o personagem debocha de si mesmo e não permite que sua intimidade seja revelada.

No viés historiográfico, apesar da profusão de detalhes, não há uma tentativa de contar a história (nem dos incas, dos evangelhos apócrifos), e sim fazer a história desabar como uma pedra na cabeça do personagem (e do leitor). Já nas águas do misticismo, o discurso é mutante e paradoxal.

Paulo Coelho e Dan Brown, apresentados como embusteiros da pior espécie pelo personagem principal, vão, pouco a pouco, assumindo a autoria do discurso. Ou será que é Michel Houellebecq, disfarçado de Paulo Coelho, que pergunta onde está Deus? ‘Solo’ não pretende ser obra definitiva, nem escapar ao teste do tempo.

Está lotado de referências voláteis, que começam com o papagaio Louro José – o filósofo do apocalipse midiático – e terminam com Rubinho Barrichello – o perdedor do eterno retorno. ‘Solo’ acredita na efemeridade e na definitiva podridão dos grandes discursos.

Se o marxismo ruiu, a psicanálise virou balcão farmacêutico e a semiótica é uma ferramenta da publicidade, para que se preocupar com a sobrevivência ou a universalidade das citações e das metáforas? ‘

Solo’ é para ser consumido agora, no máximo amanhã, antes que a velocidade pós-moderna o jogue para o asilo dos discursos sem sentido. O interessante é que justamente quando o personagem se sente sem sentido é que a trama começa.

O esforço do herói para localizar-se no espaço (América Latina, e não Europa), no tempo (agora, e não no passado) e no próprio self (realidade, e não alucinação) vai se chocar, página a página, com a desconstrução dessas fronteiras.

Os gêneros literários se dissolvem, ao lado das certezas modernas, e uma certa iluminação espiritual pós-moderna, que certamente teria a bênção de Maffesoli, atravessa o personagem e o faz retornar para casa mais saudável e mais autoconsciente. Temos quase um final feliz. Quase uma redenção.

Mas será que um final assim combina com aquela cordilheira andina de ironias? Talvez não. E daí? Se combinasse, o cânone dos finais lógicos e orgânicos estaria validado. Para desafiar o pós-humanismo, só sendo neo-humanista. ‘Solo’ não é para todo tipo de leitor.

O gosto é meio amargo, meio doce, e às vezes o tabasco é jogado em doses generosas. Recomenda-se tomar muita água e deixar a TV desligada: o Louro José pode pedir direito de resposta.' Que bela leitura! Nem sempre a meu favor.

juremir@correiodopovo.com.br

Aproveite o dia - Uma ótima terça-feira a você

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