segunda-feira, 10 de novembro de 2008



10 de novembro de 2008
N° 15785 - LUIZ ANTONIO DE ASSIS BRASIL


Autógrafos

O autógrafo num livro pressupõe dois verbos: “pedir” e “dar”. Pede-se o que não se tem; dá-se o que se tem.

O leitor, até agora desconhecido, pede que o autor escreva algo na página de abertura do livro, algo pessoal, mais pessoal do que um “abraço”, pois os abraços perderam seu sentido e seu drama;

hoje uma pessoa aperta nossa mão e diz ao mesmo tempo: “um abraço!”; um amigo vê-nos no supermercado e abana de longe, a dizer: “um abraço!” O abraço de autógrafo não é bastante. O leitor pede sinceridade a seu escritor, ainda que sinceridade de ficcionista.

Já o escritor dá o que tem de melhor: a sua palavra. Trata-se, no caso, de uma palavra ad hoc. O que lhe ocorre de imediato, desgraçada e fatalmente, é “abraço”. Com hesitação, ele a escreve, mesmo sabendo o atual vazio semântico dessa palavra maldita.

O escritor poderá, então, pospor o adjetivo “afetuoso”, na intenção de aproximar-se do leitor, um afeto de fantasia, mas suficiente para o instante. Assim, o autógrafo singulariza o livro; o livro torna-se único em meios às suas cópias.

Ele não é igual a nenhum outro exemplar. Nos sebos, um livro autografado vale mais. No autógrafo, tal como na fotografia, congela-se um instante, captura-se um momento de eternidade, lá onde houve um afeto, lá onde houve um abraço.

Segue-se uma assinatura e uma data. Na ocasião do autógrafo estabelece-se uma intimidade tão repentina quanto efêmera entre o leitor e seu escritor. Ambos sabem, contudo, que o momento é irrepetível: jamais aquele exemplar será de novo assinado, e o afeto e o abraço terão de ser renovados no próximo livro, no próximo ano, talvez nunca.

O escritor seguirá seu caminho, com o próximo livro, na sua busca irremediável do livro ideal, aquele que transformará a história da literatura; o leitor seguirá pedindo o autógrafo, na sua busca da confirmação daquele instante perdido no tempo.

Assim, leitor e escritor são cúmplices de um mesmo objetivo, o de eternizarem um momento.

Um pede, o outro dá: ambos sabem que existe, nisso, muito de teatro, mas ambos persistirão enquanto existir um escritor e alguém que o leia. E o “abraço afetuoso” selará essa amizade de papel, mas tão verdadeira quanto a verdadeira ficção.

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