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quarta-feira, 12 de novembro de 2008
12 de novembro de 2008
N° 15787 - PAULO SANT’ANA
Chorando os mortos
Uma carta de uma mulher dilacerada: “Prezado Sant’Ana. Sempre começo a ler a ZH de trás para frente, como muitos leitores, e também jamais imaginei que escreveria para a tua coluna.
Após ler a de ontem, cujo título era ‘Assaltos sem mortes’, que se referia a vários casos de homicídios ocorridos no Interior, tomei a liberdade para te escrever, pois minha indignação é tão grande, que tenho vontade de sair berrando ao mundo o que estão fazendo com nossos jovens.
Quinta-feira, dia 06/11/08, às 21h30min, o melhor amigo do meu filho foi baleado em um assalto no Cristal e faleceu poucas horas depois no HPS.
Ele era o melhor amigo do meu filho! Eles se conheceram na creche e esta amizade começou quando tinham apenas três anos. São 15 anos de convivência, de amizade, de irmandade. Estudaram juntos nas mesmas escolas.
Depois, tiveram que se separar, mas só um pouquinho, pois nas sextas, sábados e domingos, estavam juntos e mais as namoradas e mais toda a galera. A única coisa que realmente os separava era o futebol: ele era gremista e o meu filho, colorado.
Aliás, se meu filho não tivesse ido para Buenos Aires ver o Inter jogar, com certeza estaria junto com o amigo, como em tantas outras vezes em que foram assaltados. Sendo que num dos últimos assaltos, na Rua Getúlio Vargas, bateram no meu filho com uma barra de ferro e ele levou 11 pontos na cabeça.
O ‘cara’ ia partir o amigão ao meio – como meu filho me contou – e este empurrou o amigo e a barra pegou na sua cabeça. Conhecendo bem o filho que tenho, com certeza, ele também sairia ferido ou morto, porque eles eram assim: unidos, amigos, irmãos.
Será que a mãe dessa criatura que atirou num jovem para roubar um skate pode dizer que o conhece bem? Será que o valor de uma vida pode ser medido por um skate? Então, quanto vale a vida dessa criatura? O preço de um quilo de sal?
Infelizmente, para mim, hoje, agora, não vale nada. Pois ele não matou só o melhor amigo do meu filho. Ele matou o filho de uma mãe maravilhosa, de um pai trabalhador, tirou o irmão mais velho de uma menininha, terminou de forma brutal um namoro de três anos, o amigo zen de uma turma de mais ou menos 15 adolescentes, enfim, matou sonhos!
O que nós, pais, devemos fazer? Trancar nossos filhos, como se fossem marginais? Eles estão no auge da vida, querem viver, querem sonhar, querem andar por aí. Os que deveriam estar atrás de grades estão por aí, matando inocentes.
Esses é que deveriam estar presos e até mortos. Sabemos que esses tênis e esse skate foram trocados logo ali adiante por drogas – cocaína, crack... – e para essas pessoas a vida não vale nada. A vida deles é muito curta, porque logo vão encontrar algum desafeto e com certeza nesse encontro ou eles matam, ou eles morrem.
Para essas pessoas, depois que matam a primeira vez, matar mais um ou dois não faz a menor diferença. E a sorte deles é que este menino não pertencia a uma gangue rival ou a qualquer outro tipo de gangue, senão a esta hora já estariam mortos ou quem sabe algum familiar deles.
A sorte deles é que este pai e esta mãe vão esperar por justiça e não fazer justiça pelas próprias mãos. Pois nós fomos educados e educamos nossos filhos no sentido de que cabe à polícia, ao Estado punir esses marginais.
Tenho certeza de que falo por todos os pais da galerinha que freqüenta nossas casas: quisemos ter estes filhos.
Começamos torcendo para que o exame desse positivo, acariciávamos nossas barrigas – e ela ainda nem tinha tomado forma –, queríamos que o mundo soubesse que ali dentro estava nosso tesouro, carregamos, conversamos e cantamos para eles durante os nove meses. Depois, as famosas dores do parto.
A primeira mamada, a primeira troca de fralda, cólicas, noites maldormidas, febre, catapora, conjuntivite, mas bastava olhar para aquele serzinho e todo cansaço sumia, todo o sono desaparecia.
A primeira vez na escolinha. Me lembro que os meninos, no primeiro dia das mães, na creche, cantaram uma música do Skank que numa parte da letra pergunta: ‘Aonde você mora? Aonde você foi morar?’.
E da creche foram para a escola e foram crescendo, criando asas, chegando cada vez mais tarde, ou nem chegando, dormindo uns nas casas dos outros.
Meu filho me ligou na sexta-feira, de Rivera, me perguntando se tinha acontecido alguma coisa, pois os amigos não atendiam seus telefonemas e eu pensava como vou dizer ao meu filho que o melhor amigo dele morreu?
Ou que o futebol deles, a partir de agora, seria com um companheiro a menos?
E que não mais teria o amigo para virar a noite, aqui em casa, jogando videogame ou que o sabor dos próximos churrascos seria diferente? E me lembrei para onde o meu filho vai quando brigamos, pois ele arrumava a mochila e ia ‘embora’ de casa. Quando chegava no amigo, ligava e avisava que estava lá ou bastava eu ligar para saber que estava bem.
Ver aqueles jovens chorarem feito meninos no velório de seu amigo! Ou meu filho, após saber do ocorrido, ligar de cinco em cinco minutos, pedindo para que o celular ficasse ligado ao lado do amigo, pois ele ainda tinha muitas coisas a dizer.
Na hora do adeus, vê-los cantando o Hino Rio-Grandense, pois este menino tinha orgulho de ser gaúcho, foi uma emoção indescritível, pois, naquele momento, eles se tornaram adultos – pela dor da perda, pelo sofrimento, pela injustiça, pela violência.
Alguém, por favor, pode me explicar por que um menino de 18 anos foi morto naquela noite? Ou na segunda-feira passada ou na semana passada.
Quem está matando nossos filhos? Simplesmente não me conformo, não aceito. Quantos Rafaéis, Igors, Vicentes... terão que morrer para que algo seja feito?
Quando chegamos ao ponto de perder um filho por causa de um skate ou seja lá o que for, está na hora de pararmos e ver o que está acontecendo.
Pois não acredito que ‘quando chega a hora não se pode fazer nada’ ou que ‘basta estar vivo para morrer’ ou que foi ‘um sinal para os que ficaram’.
Mas, como meu filho menor, na inocência de seus nove anos, me disse, tentando me consolar: ‘Mãe, não te preocupes, pois agora temos mais uma estrela no céu para brilhar e nos cuidar’. (ass. ) Themis Krumenauer (tkrumenauer@hotmail. com)”.
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