quinta-feira, 27 de novembro de 2008



A PROFESSORA E A FAXINEIRA

Era uma vez um estado que se considerava culto, politizado e desenvolvido. Acima da média das demais unidades da Federação. Um dia, uma professora e uma faxineira encontraram-se numa parada de ônibus. A professora estava triste. Ganhava pouco.

Lamentava, com o cartão eletrônico, não poder mais vender as fichas de ônibus para arredondar o fim do mês. O governo não queria pagar o piso nacional fixado em lei para o magistério.

Ela havia seguido os colegas numa greve desesperada de final de ano. Por causa disso, estava prestes a perder 15 dias do seu parco salário. O governo fazia a chantagem de sempre e jogava a sociedade contra os professores, alegando prejuízo às crianças. A faxineira perguntou:

– Quem é mais importante para a sociedade, eu, que deixo uma casa como um brinco, passo, lavo e, muitas vezes, cozinho, ou quem ensina nossos filhos a ler e a escrever?

A professora hesitou. Não queria ofender a faxineira. Mas estava convencida de que o seu papel era mais importante. Afinal, estudara para exercer a sua profissão, da qual toda a estrutura social depende.

– Eu também passo, lavo, cozinho e deixo a minha casa como um brinco – disse a professora em tom conciliador. – Faço isso depois de ter ensinado um dia inteiro.

– Não seja por isso – emendou a faxineira. – Eu também tenho uma dupla jornada de trabalho. Passo, lavo e cozinho para a minha família depois de ter passado, lavado e cozinhado para a família dos outros.

– Não duvido disso – admitiu a professora. – Mas as coisas têm valores diferentes. Cada atividade tem a sua função social. Mas existem diferenças e hierarquias.

– Eu ganho R$ 80,00 por faxina, chego a fazer duas num dia, não dependo do Estado e não levo trabalho para casa – disparou a faxineira, que era meio neoliberal e completamente cética.

– Quanto você ganha por dia? A professora ficou vermelha. Gaguejou. Fez as contas. Finalmente, muito constrangida, confessou:
– Bem, com a complementação, ganho uns R$ 30,00 por dia.

– E você teve de estudar pra ganhar 30 pilas por dia? Não tem lógica esse negócio. Como pode ganhar menos quem se preparou mais? Por que não faz faxina? Tem vergonha?

Chocada, a professora teve um sobressalto de dignidade. Empertigou-se. Por fim, defendeu-se chorosa: – Eu amo o meu trabalho. Nasci para isso. É uma missão. – Enquanto pensar assim, vai ganhar menos.

– As duas coisas são verdadeiras. O magistério é profissão e missão. Mesmo que o salário seja baixo, continua sendo uma atividade especial, que exige amor.

A faxineira sorriu. Havia algum cinismo no seu sorriso. Não se pode confiar em faxineiras neoliberais.

– Vai ver que sou faxineira por isso. Não entendo essa história. Todo mundo diz que a educação é tudo, mas os professores ganham menos do que nós.

Nunca ouvi alguém falar que ser faxineira é um sacerdócio, uma missão ou atividade essencial. Ninguém nos dá valor em discursos. – É uma questão complexa. Somos muitos professores...

– Policiais e professores deviam demitir-se em massa – radicalizou a faxineira, que era também meio anarquista e de faca na bota. – Se não tiver professor e policial, os salários vão aumentar. A sociedade vai acordar.

Foi a vez de a professora rir com certo cinismo. Não disse coisa alguma por elegância. Limitou-se a pensar: – Como são ingênuas as faxineiras e cruéis os governantes.

juremir@correiodopovo.com.br

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