quarta-feira, 26 de novembro de 2008



26 de novembro de 2008
N° 15801 - MARTHA MEDEIROS


Saga Lusa

O que Chico Buarque, Vitor Ramil, Caetano Veloso, Arnaldo Antunes, Thedy Correa, Duca Leindecker, Fernanda Takai, Gabriel o Pensador, Kledir Ramil e Nei Lisboa têm em comum? Acertou, são escritores. Todos eles lançaram livros, já que são familiarizados com a palavra desde que iniciaram aquela outra atividade, a música.

Há quem torça o nariz: agora qualquer um escreve! Sorte deles, porque não é qualquer escritor que pode fazer o caminho inverso: subir num palco e cantar direitinho.

Pois abram alas para mais uma forasteira no mundo das letras: Adriana Calcanhotto acaba de lançar Saga Lusa, uma viagem lisérgica que narra os dias em que saiu da casinha durante uma turnê em Portugal, tudo por causa de uma overdose de remédios que quase lhe custou a vida – mas que espertamente, ela “curou” com literatura da boa.

Quando eu digo por aí que escrever é terapêutico, sei que estou chafurdando num clichê mais que reprisado, mas o que é um clichê senão uma verdade mil vezes repetida? Escrever cura. Só que nem todo ser humano que se aventura nesse tipo de tratamento consegue um resultado acima da média.

Muitas vezes, o jorro de palavras deve ser mantido no anonimato, o que se quer apenas é que a catarse ajude a recuperar a saúde mental perdida. Mas quando vale a pena compartilhar, ave! Que a arte seja espalhada.

O livro de Adriana é uma viagem no melhor dos sentidos – ao menos para nós, leitores, porque para ela foi violento. Dias inteiros sem dormir, dificuldade de comunicação, o pânico de não conseguir “voltar”, pesadelos, delírios, shows cancelados e Lisboa vista por trás da janela de um hospital, sem poder ser desfrutada – perder a consciência nem sempre é um barato, pode ser um tremendo desconforto.

Mas Adriana tinha duas armas poderosas contra suas alucinações: bom humor e um laptop. E se pôs a escrever tudo o que estava lhe ocorrendo, de uma forma tão divertida, que a gente até pensa: essa guria está inventando. Não estava, mas se estivesse, maior ainda o seu mérito.

Adriana é elegante em suas composições e demonstra, com Saga Lusa, ser elegante também em suas decomposições.

Desestruturada, maluca, revoltada, não importa: consegue rir de si mesma e isso é a prova maior da grandeza de uma pessoa, qualquer pessoa. É nessas reações de humor e inteligência diante do desconhecido que se pode dizer: o mundo tem jeito.

Muita água, muita calma nessa hora, e tudo se resolve. Olha, Adriana, não chego a desejar outros surtos reais, mas os irreais podem ser provocados sem danos à sua integridade. Cante e escreva: esgote-se em seu incrível talento.

Nico Nicolaiewsky ainda não escreveu nenhum livro, mas enquanto não entra pra turma, aproveite que ele está de volta ao Theatro São Pedro com o show Onde Está o Amor?, no próximo sábado e domingo. Uma viagem, também.

Aproveite a quarta-feira - Um excelente dia para você.

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