sábado, 29 de novembro de 2008



30 de novembro de 2008
N° 15805 - DAVID COIMBRA


Pequenos ódios

O homem precisa de tempo para descobrir as coisas de que não gosta. Não é tão fácil. Normalmente, o sujeito se deixa levar pelos outros. Todo mundo gosta de algo, aí você pensa que gosta também. Não gosta, apenas não refletiu a respeito.

É o que já falei sobre a propaganda. Espanta-me o poder da propaganda. Porque a lógica por trás da propaganda é tão simples que chega a ser simplória. E ainda assim funciona.

É surpreendente. Alguém diretamente interessado em se promover, promove-se. Eu sou bom, eu sou bom, eu sou bom. Ora, qualquer pessoa mais ou menos racional deveria desacreditar desta opinião explicitamente suspeita. Só que não. As pessoas acreditam. Compram carros, votam, passam a fumar.

Por quê? Porque as pessoas têm necessidade de saber qual é a opinião dos outros sobre sua própria vida. As pessoas só acham que levam uma vida boa quando outras pessoas acham que ela uma vida boa.

Alguém diz que é ótimo, por exemplo... acampar. O cara fica repetindo que adora acampar, que acampar faz bem para a saúde, que é divertido acampar e tudo mais. Você ouve isso e vai acampar. Não gostou nem um pouco de acampar, dormiu naquela barraca apertada e abafada, foi picado por mosquitos, não havia banheiro por perto, um inferno. Mas saiu de lá jurando que adorou acampar.

Por quê? Porque você quer concordar com as outras pessoas. O ser humano passa a vida buscando a aprovação dos outros seres humanos. Quer fazer parte de um grupo, ainda que seja de um grupo de acampadores.

Eu mesmo, só há pouco concluí que odeio bar com música ao vivo. A não ser que vá ao bar exclusivamente para ouvir música. Mas não. Quase sempre vou a bares para conversar e, se o bar tem música ao vivo, a música não se torna música: torna-se barulho.

Estou lá sentado e sinto que algo está me irritando e não sei o que é. Aí descubro: é a maldita música ao vivo. Aquele cara com um violão, uivando Oswaldo Montenegro. Um tormento. Uma aflição. Uma dor. Mas por muitos anos as pessoas me convidavam:

– Que tal irmos a um bar com música ao vivo hoje? E eu:

– Música ao vivo! Que alegria!

Outra. Shows em estádios e ginásios. Já fui a shows em estádios que tinham de ser bons. Clássicos tipo Eric Clapton. Não foram. Foram chatos.

E nunca, nunca, jamais na minha vida, fiquei pulando em frente a um palco. Definitivamente, não sou homem de pular em frente a um palco.

Também concluí que tenho sérias restrições a certas atividades praianas. Gosto de ir à praia para:

1. Beliscar piriris e beber cerveja gelada.

2. Jogar bola ou frescobol.

3. Eventualmente caminhar ou nadar. Só.

Mas as pessoas gostam de ir à praia e ficar lá. Ficam e ficam e ficam na areia por horas, fazendo algo que odeio com todas as forças do meu ser: tomando banho de sol.

Elas tomam banho de sol nas costas por meia hora, viram-se e tomam banho de sol de frente por mais meia hora, aí dão meia-volta de novo para tomar mais banho de sol nas costas por nova metade de hora e giram novamente para tomar outro tanto de sol na parte dianteira por outro tanto de hora. Um galeto naquelas televisões de cachorro.

Agora os dias estão cada vez mais quentes. O verão se aproxima. Todos querem se mudar para a Orla. Até vou, desde que não permaneça sob o sol. Odeio banho de sol.

Mas tem o seguinte: topo ir à praia e ficar por horas estendido na areia como uma tatuíra, topo sentar num bar com música ao vivo e ouvir, cruzcredo, Djavan a noite inteira, vou a um estádio e fico de pé, na grama, assistindo à alguma cantora baiana, faço tudo isso, desde que não tenha que ouvir uma discussão entre um gremista e um colorado. Nenhuma discussão, nem em debate de rádio ou TV.

Não suporto mais bate-boca entre gremista e colorado, algo cada vez mais freqüente no Rio Grande do Sul, cada vez acirrado e cada vez mais maçante. São insuportáveis essas discussões.

Aceito outras chatices para me livrar delas. Agora, ir a um show do Oswaldo Montenegro, isso também não. Tudo tem seu limite.

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