domingo, 16 de novembro de 2008


DANUZA LEÃO

A cigarra, a formiga e a monotonia

Cantaram a vida inteira e só têm uma pessoa para quem apelar: a formiga -aquela de quem sempre falaram mal

AS PESSOAS nascem cigarra ou formiga, e nunca vão mudar, até o último dia de vida. As cigarras são simpáticas, alegres, adoráveis, generosas, e que ninguém pense em dividir uma conta de bar quando estão numa mesa. Nem por hipótese uma cigarra vai deixar de pagar a despesa -é mais forte que elas.

Coisa boa é viajar em companhia de uma cigarra. Além de esbanjarem em compras e presentes -régios- para os amigos, as notas de cem dólares parece que se multiplicam em suas mãos. Elas usam e abusam dos cartões de crédito, e com tal displicência que se tem -aliás, elas têm- a impressão de que a conta nunca vai chegar.

Detalhe: se você tiver esquecido a carteira no hotel, a cigarra te empresta 300 dólares, e nunca vai se lembrar de cobrar. Mas quando precisar pedir algum dinheiro a você, que seja cem ou 10 mil, vai se esquecer de pagar -faz parte do personagem.

Ser cigarra na vida não tem nada a ver com ser rico ou pobre; é um estado de espírito, uma atitude, e o prazer de gastar o dinheiro -que tem ou não- até o último centavo. Como são encantadoras as cigarras.

Tudo para elas é fácil; dão um pré-datado sem pensar duas vezes -aliás, nem duas nem uma- e têm essa qualidade deliciosa, que é a ausência total de preocupação. Nunca falam de dinheiro e são convictas de que ele sempre pinta.

Não existe nada mais agradável do que conviver com as cigarras. Elas são leves, bem-humoradas, alegres, otimistas e acham que no fim tudo dá certo.

Quando você entrar numa sala e quiser saber quem é cigarra e quem é formiga, basta procurar quem tem o vinco entre as sobrancelhas. Cigarras não franzem a testa jamais.

Já as formigas passam a vida pensando no futuro; se vão ter um teto para morar quando ficarem velhas, de que vão viver, e por aí vai. O grande sonho de uma formiga é o da casa própria, e uma vez o teto comprado -e integralmente pago-, começa a pensar no dos outros: o dos filhos, o dos netos, o dos amigos.

Uma formiga não joga nada fora, nem comida ela deixa no prato -não pode, com tanta gente passando fome no mundo. Mesmo tendo dinheiro no banco, nunca tem nenhum no bolso -para não cair na tentação de tomar um sorvete ou uma água de coco sem sede, só pelo prazer -como se uma formiga pudesse correr esse risco.

No restaurante, na hora de escolher, as formigas olham primeiro para os preços, sugerem dividir o prato, já que nunca estão com fome -quando estão pagando- e nunca pedem o mais caro.

As cigarras riem das formigas: que são avaras, seguras, que dinheiro para elas é mais importante do que os afetos, as amizades, o amor -o que nem sempre é verdade.

São injustas, as cigarras. Mas como já dizia La Fontaine, um dia elas precisam de ajuda. Cantaram a vida inteira, o inverno chegou rigoroso, e só têm uma pessoa para quem apelar: a formiga -aquela de quem falaram mal a vida inteira. Quem não viu esse filme?

Quem não tem um amigo cigarra ou formiga? E você, é o quê? Moral da história: tudo o que acontece é uma tal repetição de coisas faladas, escritas e vividas que o mundo chega a ser monótono de tão previsível.

danuza.leao@uol.com.br

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