segunda-feira, 24 de novembro de 2008



24 de novembro de 2008
N° 15799 - LIBERATO VIEIRA DA CUNHA


O colecionador de livros

Os escritores são alvo preferencial de perguntas indiscretas.

São as que me faz Y., uma leitora que quer saber como trato minha biblioteca, como a formei e se compro livros ou ganho. Y. pretende organizar sua própria biblioteca e acha que sou uma espécie de autoridade na matéria, por causa de uma crônica que escrevi aqui o outro dia.

Ledo engano, Y. Para começo de conversa, minha biblioteca é herdada. Tive um pai e uma mãe que amavam os livros, e uma das primeiras paisagens que guardo na memória são arranha-céus impressos ocupando todo um escritório da casa da Rua Sete, em Cachoeira. Como muitas dessas obras eram de Direito, acabaram desterradas em sucessivas mudanças.

Mas por essa altura eu já tinha sido contaminado pelo vírus do colecionador. Tudo o que sobrava das mesadas, ou, mais tarde, dos primeiros salários, era gasto, em ataques de invencível prodigalidade, nos balcões das livrarias. Cheguei a morar num apartamento em que peças inteiras, mais os corredores, eram tomados por fatias da literatura universal.

Ao me mudar para este em que vivo, tomei uma resolução heróica. Reservei um único lance para as prateleiras. Foram todas construídas a capricho – sem esquecer vidros protetores – por um emérito carpinteiro desta praça.

Aí sucedeu o drama. O número de meus livros era superior ao espaço disponível nas estantes, problema que resolvi da forma mais simples.

Elegi os volumes de que não queria me separar – uma das decisões mais difíceis de minha vida de leitor – e doei os restantes para escolas e para o Mensageiro da Caridade.

Hoje meus livros passam bem, obrigado, Y. São disciplinadamente divididos pelo país de origem, por gênero, por época e por autor.

Sei onde está cada um nas ordenadas fileiras que vão do chão ao teto. Ganho muitos de presente, mas não perdi o vício de comprar outros tantos. Faço novas doações de tempos em tempos.

Algum dia não haverá lugar para mais. Mas te prometo desde já, Y., que não faltará espaço para a tua primeira coletânea de poemas.

Ótima segunda-feira e uma excelente semana

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