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sábado, 29 de novembro de 2008
29 de novembro de 2008
N° 15804 - PAULO SANT’ANA | LUIZ ZINI PIRES (interino)
A república dos sem-carro
Eu sou um sem-carro assumido. Quando todo mundo assinou um papel e comprou (ou trocou) o seu em 70 vezes, eu passei o meu adiante. Vendi, não sem uma série de bobas lamentações iniciais. Gostava do carro.
Era fiel companheiro de longas viagens. Ele avançava pela BR-101 com mais vontade quando os Rolling Stones, do Black and Blues para baixo, assumiam a trilha sonora interna. Gostava do mar, ficou só uma vez enterrado na areia fofa, mais por culpa do condutor do que por defeito mecânico, falta de força ou carência de vontade.
Perto dele fui assaltado, um longo 38 na cabeça. A dupla de bandidos queria apenas a máquina, que voltou semanas depois depenada, sem as rodas originais, riscado e mudo.
Depois, em seqüência, alguém bateu na lateral, outro amassou a porta do motorista e fugiu, um terceiro escangalhou o espelho e escapou também. Na época, não sabia qual era o mais azarado. Como não podia me vender, passei a máquina adiante.
Dois anos e alguns meses adiante, na crista de uma primavera de 33°C, procuro uma longa lista de arrependimentos, vasculho e não acho nada significativo. Ok, talvez encontre um: a saudade das curtas e revigorantes viagens de alguns finais de semana. Ponto.
Mas, por outro lado, vejo a garagem vazia e com espaço, não pago prestação, IPVA, multa, oficina, gasolina e óleo, nem sou achacado por flanelinhas vitaminados e de toucas ninja.
Não gasto com estacionamento, não me estresso com filas para chegar a “este” estacionamento, posso continuar visitando os bons bares da Capital em busca do chope perfeito, os testes de bafômetro não me preocupam e assisto ao movimento (cada vez menor) de barreiras policiais como um bálsamo nas nossas ruas de faroeste.
Ao abandonar o carro de vez, sem me dar conta na hora, passei a integrar a gigantesca confraria dos brasileiros que batem pernas nas cidades grandes, andam de lotação, adotam o ônibus, preferem o táxi. Fui rebaixado como cidadão, mesmo sem considerar o automóvel um inimigo, muito pelo contrário.
Passei a ver a cidade com novos óculos, conhecer melhor algumas ruas, observar históricas “calçadas” sem calçamento, praças sujas sem dono, esquinas sem policiamento.
Fui reapresentado à intimidade entupida das artérias da Capital depois de anos, entre idas e vindas, longe do escudo protetor de um automóvel fabricado no terceiro milênio.
A vida fora do automóvel no centro urbano é um inferno. Agora ele mesmo luta por um espaço que não tem mais, que sumiu, que engarrafou.
Quem caminha em busca do trabalho, do lazer ou da simples e barata satisfação do exercício em volta de um pobre parque, têm no motorista um inimigo definido, um vilão, um perigo a ser evitado. Não quero generalizar, mas eles são tantos, que eu penso que uma grande maioria atua do lado errado da força.
O motorista não respeita nada, carro maior, sinal vermelho, faixa de segurança, a sua avó atravessando a fileira de paralelepípedos, bicicleta, cãozinho de madame.
Sua pressa, ímpeto, desprezo pelo pedestre, supera qualquer gesto civilizado. Um pé na faixa de segurança é um convite seguro ao atropelamento. Não importa a cor do carro, a marca, o preço, a cilindrada.
Coloco ao lado dos insensíveis motoristas do dia-a-dia os motoqueiros. Não confunda com motociclistas. Os motoboys são avessos ao bom senso, são camicases e sua média de vida não alcança 30 anos. Não pode, todo dia morre um, sempre apressado. Nunca vi ninguém buscar a morte com tanta avidez todos os dias.
Quando vejo um duas-rodas subindo na calçada, derrapando sobre um passante, voando na contramão, lembro que ele é apenas o empregado dos serviços rápidos de alguém. Mas nunca vi, eu não, a retaguarda dos motoboys fazendo algo positivo em nome da classe.
Quando eu observo a indústria automobilística quebrada, falida no seu modelo de negócio, pedindo dinheiro de joelhos aos governos, dos EUA para baixo, noto que os que gastam a sola do sapato nos aglomerados urbanos também merecem o olhar complacente dos inconfiáveis políticos. Não que eles desejem outro caudaloso rio de dinheiro, como as montadoras.
Exigem apenas motoristas mais educados, com cursos obrigatórios aos faltosos, lei severa aos reincidentes, novas sinaleiras, mais faixas de segurança e, quem sabe, se não for pedir demais, um punhado de azuizinhos, um pouquinho mais simpáticos, dispostos a estender a mão aos abandonados pedestres da maior cidade dos gaúchos.
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