sábado, 22 de novembro de 2008



Um teto para quem precisa

A ONG Um teto para meu país, criada no Chile e presente no Brasil há pouco mais de um ano, reúne jovens de classe média alta para construir casas de madeira em favelas da América Latina
Margarida Telles

Rosana Maria da Silva espera a construção de sua nova casaRosana Maria da Silva olha tensa para o espaço vazio onde ficava o seu barraco e, instintivamente, protege com as mãos a barriga de nove meses de gravidez.

À sua frente, dez jovens que ela não conhece discutem, empolgados, sobre o melhor lugar para posicionar uma tora de madeira chamada de piloti. Eles não são da Projecta, favela espremida entre indústrias de Guarulhos, na Grande São Paulo, perto do Aeroporto de Cumbica.

Vieram de regiões nobres da cidade, e a maioria cursa a universidade. No início do mês, em vez de aproveitarem o final de semana para se divertir, foram construir casas na favela.

Quem os reuniu foi a ONG Um teto para meu país, entidade nascida no Chile que, há pouco mais de um ano no Brasil, já ergueu 131 habitações em áreas carentes, principalmente na Grande São Paulo, com a ajuda de cerca de 500 voluntários.

Três dias antes de receber seu novo lar, Rosana ainda estava numa lista de espera para conseguir uma das casas emergenciais, de madeira, erguidas sobre palafitas e que resistem por cerca de cinco anos.

Na véspera da construção, a jovem de 20 anos foi procurada por voluntários com a notícia de que ela poderia receber a casa. Não haveria mais o mutirão na Vila dos Sapos, favela perto da Projecta, devido a uma briga de gangues. Rosana não hesitou ao aceitar a demolição de seu antigo barraco.

“Não fiquei com medo, pois não tinha muito a perder”, diz a dona-de-casa, que já tem um filho de dois anos. A renda da família vem do marido, caminhoneiro, e raramente passa dos R$ 300. “Espero que, com essa casa, as coisas melhorem um pouco”, afirma.

O objetivo do Teto, como é conhecida a ONG, é justamente promover a interação entre pessoas que normalmente não se relacionariam. Mas nem todos os moradores de uma favela reagem com a mesma confiança que Rosana depositou em jovens que não pertencem àquele ambiente.

Uma semana antes do início do mutirão, alguns voluntários geralmente vão para a favela, avaliar os terrenos onde serão erguidas as casas e aproveitam para conversar com a comunidade, tentando garantir uma boa convivência.

Na Projecta, o mecânico Mauro Fernando da Silva, que vive lá há 13 anos e atua como um líder comunitário, teve papel fundamental nessa integração.

“No começo, tive dificuldades em convencer os moradores a confiar nos voluntários. Minha mulher e eu tivemos que dar apoio, inclusive emprestando dinheiro, para que as coisas andassem”, diz Silva.

No Brasil, a casa-padrão erguida pelos voluntários do Teto tem um custo de cerca de R$ 3,4 mil. O dinheiro costuma ser doado por empresas. No entanto, se tiver condições, a família que recebe a casa, escolhida com base na renda e no tipo de moradia, paga 10% desse valor. Normalmente, um grupo de dez jovens é formado para cada casa construída.

No mutirão da Projecta, os voluntários ergueram seis habitações no lugar dos barracos. Ninguém tinha muita experiência em construção civil, embora alguns fossem estudantes de engenharia e arquitetura. Assim, os mais experientes treinavam os novatos.

Voluntários constroem casa na favela ProjectaConforme as casas iam sendo erguidas, diminuía a resistência dos moradores. Aos poucos, eles começavam a conversar, se dispunham a ajudar e ofereciam café com bolachas de água e sal.

As refeições eram feitas na casa de amigos ou parentes dos que iam receber as casas de 18 m². À noite, os voluntários dormiram numa escola pública cedida pela prefeitura de Guarulhos.

Esta não foi a primeira vez que o Teto foi à favela Projecta. Em julho, a família de Maria do Socorro Lima, que tem oito filhos, foi uma das beneficiadas.

E ela faz questão de mostrar sua gratidão pelo trabalho dos jovens. “Agora eu tenho uma casa que não pinga, não entra chuva, que não tem o risco de dar um vento e eu encontrar os meus filhos soterrados.

Antes, as crianças ficavam doentes de tanto rato, mas agora eles não sobem mais.”

A auto-estima de Maria aumentou tanto com a nova casa que ela decidiu procurar o ex-marido para cobrar a pensão de seus filhos. “Se desconhecidos ajudaram tanto os meus filhos, o mínimo que o pai deles pode fazer é ajudar também.”

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