quarta-feira, 26 de novembro de 2008



26 de novembro de 2008
N° 15801 - PAULO SANT’ANA


Todo burro é feliz

Não há ser mais infeliz do que o lúcido. A lucidez é uma cruz.

Não há seres mais felizes que os medíocres, os inocentes, os burros.

Quando passarem por uma estrada, olhem para os bois pastando: não há seres mais tranqüilos, mais serenos, mais felizes do que eles.

Por que os bois são felizes na paisagem bucólica? Simplesmente porque desconhecem o seu futuro.

Não sabem os bois que vão morrer dali a meses a marretadas num matadouro. Isso os torna felizes e realizados.

Já os que sabem que vão morrer a marretadas, os que têm consciência de que estão disputando um campeonato de 38 jogos sem terem centroavante, os que têm consciência de que os aposentados não vão ser reajustados pela inflação em seus proventos, enquanto o salário mínimo é reajustado todos os anos em índices acima da inflação,

os que têm consciência de que algumas categorias do funcionalismo público são reajustadas todos os anos em índices acima da inflação, enquanto outras não são reajustadas anos sobre anos, estes sabem que multidões vão morrer a marretadas ali adiante.

Estes são os lúcidos, estes são profundamente infelizes, estes vão viver sempre atacados pelo infortúnio.

Não há pior maldição do que ser lúcido. E não há maior felicidade e maior realização do que ser burro.

Eu ontem me irritei e chamei um homem de burro. A sua resposta me desconcertou. Ele me disse que quer continuar sendo burro, que é muito confortável a sua condição de medíocre.

Eu sei por que a resposta do burro me desconcertou: porque ele revelou ser um burro lúcido. Quer continuar a ser burro, se ele deixar de ser burro vai deixar de ser feliz.

Primeira vez que eu topei com um burro lúcido.

Já eu, que me considero imodestamente um lúcido, gostaria de deixar de ser lúcido. Eu gostaria de me tornar burro. Afinal, no fim da vida, eu teria o direito de ser feliz.

Durante 37 anos, no Rio Grande do Sul, havia só uma pessoa preocupada com o caos carcerário. Sozinho, pregou no deserto a sua estranha e incompreensível tese de que quanto piores e mais precárias forem as condições físicas dos presídios, piores serão as condições de segurança pública fora dos presídios.

Ouviam esse disparatado e o consideravam um louco. Dedicaram-lhe 37 anos de indiferença.

Pois vejo agora que, ontem, 50 heróicos gaúchos foram até a Praça da Matriz e realizaram uma manifestação, lançando o Movimento Pela Consciência Prisional.

Já aderiram incrivelmente ao movimento juízes, promotores, policiais, cidadãos de todos os níveis, que querem chamar a atenção dos governantes para o fato de que enquanto os presídios permanecerem como um lúgubre amontoamento de seres animalescos, cercados de medo,

violência, doenças irremovíveis e as mais desoladoras condições de higiene e dignidade pessoal, mais sérias e mais graves e aterrorizadoras serão as condições de segurança dos cidadão nas ruas, onde campeia o roubo por todas as formas de assalto e os assassinatos se empilham durante todas as semanas.

Havia um só gaúcho que pregava esta verdade acaciana, mas irritantemente incompreensível durante 37 anos.

Agora, há centenas de gaúchos que compreenderam esta verdade. E se lançaram ontem no Movimento Pela Consciência Prisional para dar um basta às pocilgas.

Eles vão se atirar à tarefa sublime de convencer os três poderes a tornar dignos presídios e acabar com a idéia estúpida, burra, suicida, de que a sociedade tem de fazer sofrer os presos quanto mais o possa a fim de vingar-se deles.

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