segunda-feira, 17 de novembro de 2008


MOACYR SCLIAR

A vingança do Barney

O senhor Obama vai trazer um poodle; um bicho medroso, que vai se esconder debaixo da cama na primeira confusão

Barney, o cachorro do presidente dos Estados Unidos, George W. Bush, mordeu um repórter nos arredores da Casa Branca. O repórter da agência de notícias Reuters Jon Decker tentou acariciar a cabeça do cachorro quando foi mordido no dedo. Folha Online

Uma dentre várias promessas que o presidente eleito dos Estados Unidos, Barack Obama, fez foi comprar um cachorro para suas filhas. No início da campanha, prometeu que iria comprar um filhote, perdendo ou ganhando as eleições. Já eleito, ele anunciou que os EUA terão um novo "primeiro-cão" em janeiro, quando deve tomar posse.

Em recente pesquisa realizada pelo American Kennel Club, o clube de cães do país, a maioria dos cerca de 42 mil votantes disse que os Obama deveriam escolher um autêntico poodle. Lisa Paterson, porta-voz do AKC, disse que raças amigáveis com as crianças são as ideais para a família Obama porque têm pêlos antialérgico e um temperamento social estável.

"Quando os tempos ficam difíceis - durante um mau momento na economia ou quando as pressões presidenciais estão no topo- esses cães servem como companhias pessoais e proporcionam relaxamento e alegria para nosso líderes", completou a porta-voz.
Folha Online

"MEU NOME É BARNEY . Sou um cachorro, não sei falar a linguagem de vocês, humanos. Mas, se eu soubesse, teria muita coisa para dizer. Coisas das quais certamente muitos de vocês não iriam gostar.

Para começar, eu protestaria contra a maneira pela qual a opinião pública, e a mídia, sobretudo, trataram meu chefe, o presidente George W. Bush. Vocês simplesmente acabaram com a carreira política dele. Vocês não o apoiaram e o resultado é que ele teve essa baixíssima taxa de aprovação. Agora: do meu ponto de vista ele estava inteiramente certo.

Fez muito bem em invadir o Iraque, os caras estavam pedindo. Deveria até ter invadido mais países. Foi o que, através de meus latidos, sugeri muitas vezes.

Infelizmente não me compreendeu. Agora: que apoio ele teve? Nenhum. Foi por isso que eu mordi esse jornalista da Reuters.

Foi a forma de expressar o meu protesto diante dessa mídia ingrata. Eu sei que agora já não adianta muito, sei que em breve a Casa Branca terá um novo ocupante, esse senhor Barack Obama.

E já ouvi dizer -aqui se sabe de tudo- que ele trará um novo "primeiro-cão" para ocupar o meu lugar. Agora: que cão será esse? Um bicho valente como eu, capaz de agredir os inimigos do meu chefe? Não, o senhor Obama vai trazer, pelo que se conta por aí, um poodle.

Um poodle! Onde é que se viu? Um bicho medroso, um bicho que vai se esconder debaixo da cama na primeira confusão que houver.

Considero esse gesto uma ofensa. Uma ofensa a meu dono, e uma ofensa a mim, particularmente. Mas já aviso: essa coisa não ficará assim. Voltarei.

Nesses anos de Casa Branca descobri muitas passagens secretas, que, pelo menos a um cão permitem entrar. Quando menos esperarem, eu voltarei. E aí o poodle que se cuide. Ele verá que a nossa tradição guerreira está viva, e muito bem viva."

MOACYR SCLIAR escreve, às segundas-feiras, um texto de ficção baseado em notícias publicadas na Folha

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