quarta-feira, 19 de novembro de 2008


SERGIO COSTA

No reino do faz-de-conta

RIO DE JANEIRO - Num fim de semana de sol, Julia, 2, foi apresentada de forma inusitada à realidade social e à violência da cidade em que vive.

Ela brincava, entretida com castelinhos de areia, dentro de uma casa de plástico, dessas que os "baixos bebês" espalham pela orla para a diversão de crianças pequenas, quando, de repente, começou a chorar bem alto.

Uma menina, um pouco mais velha, entrou intempestivamente na casa de brinquedo e passou a bater janelas e portas aos gritos: "Fecha tudo! Fecha tudo! É a polícia!". A pequenina se assustou.

A criança, Érica, 4, moradora de favela ali perto, brincava de reproduzir cena que deve fazer parte do seu cotidiano. E assim transformou o que parecia uma casa de bonecas em um barraco cercado por policiais com dedos nervosos. Um jogo cheio de tensão e nada lúdico.

Na semana passada, a poucas quadras da praia que juntou dois pequenos universos, a polícia matou três num galpão-escritório do PAC no Pavão-Pavãozinho. Tinha invadido a favela atrás de uma denúncia de desvio, para obras de melhoria em casas de traficantes, de material do programa do governo.

Anunciado como solução para a violência nas favelas, o PAC, a julgar pelo que aconteceu no morro, está acelerando, em paralelo, o crescimento do patrimônio e do poder de alguns bandidos.

Além de indicar a mão-de-obra nas favelas e estabelecer condições em que os trabalhos podem ser feitos, eles agora tiram proveito de cimento, tijolos e fiações destinados a melhorar a vida nas "comunidades".

Nesse ritmo, é mais fácil Julia parar de se assustar com o jogo do "barraco invadido" do que a pequena Érica ver transformada a triste realidade que é obrigada a testemunhar -e acaba por reproduzir no lugar das brincadeiras e fantasias infantis que lhe são negadas.

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