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sábado, 29 de novembro de 2008
29 de novembro de 2008
N° 15804 - CLÁUDIA LAITANO
Os centenários
Foi um sonho esquisito – como são todos quando a gente fala sobre eles. Alguém me mandava uma carta informando que havia sido decidido que eu viveria até os 230 anos.
Não me ocorria, no sonho, questionar a decisão ou investigar em que instância essas coisas são decididas quando a pessoa não tem qualquer conviccção religiosa. O certo é que a notícia (condenação?) parecia ao meu “eu sonhante” profundamente perturbadora.
Sim, eu nunca mais precisaria me preocupar com todas as catástrofes e doenças terríveis que poderiam me apanhar sem aviso em plena terça-feira à tarde – atrapalhando definitivamente meus planos de conhecer o Egito e embalar meus netos. Mas a possibilidade de viver muito além do combinado implica também alguns inconvenientes, e era com eles que eu estava preocupada no sonho.
Muito além das questões práticas, o que me angustiava era a necessidade de redimensionar todos os planos de futuro – inventar interesses, projetos, ambições para preencher todo esse tempo até o comecinho do século 23. Foi com certo alívio, e inédito apreço pela mortalidade, que eu acordei desse pesadelo para a minha vidinha mais ou menos curta de sempre.
Lembrei desse sonho lendo semana passada uma reportagem no jornal Folha de S. Paulo sobre um lugar chamado Vilcabamba – um povoado de cerca de 4 mil habitantes no sul do Equador, a cerca de 650 quilômetros de Quito, onde há 10 vezes mais moradores com mais de cem anos do que a média mundial.
Nesses tempos de obsessão pela vida saudável e longa, Vilcabamba virou uma espécie de Meca para malucos e estudiosos de todos os tipos. Os moradores de Vilcabamba ainda não chegam aos 230 anos, mas já batem nos 120 sem esforço.
Muitos dos que passam dos cem anos lêem sem óculos, conservam os dentes e o cabelo originais de fábrica e, segundo a reportagem, trabalham e mantêm vida sexual ativa até o dia em que, subitamente, sentem-se mal e morrem, sem sofrer com doenças prolongadas.
O curioso é que eles fumam, bebem, comem muito sal, tomam café e convivem com condições sanitárias típicas de país do terceiro mundo. Várias teorias já foram levantadas para explicar o fenômeno, mas nenhuma foi comprovada.
Enquanto o mistério permanece, resta aos velhinhos de Vilcabamba aprender a conviver com os turistas da longevidade – milionários, crentes, cientistas, curiosos em geral. “Vêm por esses 40 anos como antes se ia por ouro ao Velho Oeste”, compara Ricardo Coler, médico e escritor argentino que estuda Vilcabamba.
Ontem foi o aniversário de cem anos do antropólogo Claude Lévi-Strauss (leia uma reportagem sobre ele no caderno Cultura deste sábado).
O arquiteto Oscar Niemeyer comemora 101 no mês que vem. Ambos são dignos de admiração não apenas por desafiarem as estatísticas de expectativa de vida, mas por terem se mantido ativos e apaixonados pelo que fazem durante tanto tempo.
Como o meu sonho maluco parecia me sugerir, mais complicado do que descobrir o segredo da longevidade é inventar um enredo que mantenha o interesse até o último capítulo. Niemeyer e Lévi-Strauss conseguiram.
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