segunda-feira, 24 de novembro de 2008



24 de novembro de 2008
N° 15799 - PAULO SANT’ANA | MOISÉS MENDES (interino)


O fiasco, as nuvens e o Adagalmir

Há um mês, quando o mundo se desregulou, um dia faceiro, outro deprimido por causa da crise financeira, Sant’Ana e eu olhamos para o céu e nos confortamos. Pelo menos, este ano nós vimos Jesus. Ele já escreveu aqui na coluna sobre aquele dia em que Jesus estava escrito nas nuvens. Sant’Ana viu Jesus.

Fiquei de testemunha, porque Jesus não iria aparecer para mim com o Sant’Ana ao lado. Quando o nome de Jesus foi desenhado em letra corrida no céu, logo consenti: é contigo, Sant’Ana. Ele concordou: sim, é comigo, tu apenas valida meu testemunho. Era o que me cabia.

Lembro que, da sala onde estávamos mirando o poente, chegamos a assoprar em direção às nuvens sobre o Guaíba para que o nome de Jesus se desfizesse logo. Um intrometido tentaria compartilhar a aparição daquele entardecer.

Temíamos uma confraternização coletiva, uma algazarra, que um chato estragasse tudo. Imagina, dizia o Sant’Ana, se o Adagalmir inventa de ver.

Não, Jesus não poderia aparecer para inspirar exclamações de auto-ajuda e muito menos do Adagalmir, o falante. A nuvem se desfez, Adagalmir não apareceu. Fomos egoístas. Jesus era só nosso.

Relembrei desse dia das nuvens quando o Sant’Ana e eu fazíamos um balanço de 2008. Foi um ano de admiráveis coisas improváveis.

Vimos Jesus, o mercado financeiro pediu socorro pro Lula, o Cacciola continuou preso e o Obama se elegeu. Nos indagamos sobre o que mais poderia acontecer num ano tão estranho. Eu disse que o Grêmio poderia ser campeão, e o Sant’Ana foi categórico: de que jeito?

E nos recolhemos à divagação remunerada, ao ócio produtivo de reflexões soltas, sem partitura, uma puxando a outra, jazísticas, oscilantes como a bolsa e o Grêmio. Estávamos alegres de manhã, abatidos à tarde, eufóricos à noite.

Sugeri que, se o Grêmio fosse campeão, nada mais nos faria falta até dezembro. Nem a rapadurinha de leite que o Sant’Ana consome ronronando, com os olhos fechados como um esquilo morde uma noz, enquanto migalhas vão se esfarelando pelo chão. Nem a Coca light faria falta, nem o sonho dele de cercar a Redenção, nem a sesta no meio da tarde, nada.

Quinta-feira, antes de viajar, Sant’Ana disse que eu ocuparia seu espaço nesta segunda e pediu que eu falasse da rodada do campeonato, mesmo que o domingo não fosse tão bom. Ele não imaginaria que seria tão trágico.

Depois do fiasco em Salvador, me rendo ao pessimismo que o Sant’Ana disseminou aqui na coluna, na TV, no rádio, na ZH online. Achava que aquilo era uma artimanha e secretamente imaginava que o Brasileirão seria conquistado na polvadeira, como na Batalha dos Aflitos, há exatos três anos. Seria na última rodada, no último minuto.

E teríamos de novo um livro, um DVD, um filme e muitas lendas. O Grêmio se consagraria como único time verdadeiramente literário do Brasil, que exige livro grosso, desses que param de pé, enquanto os outros continuariam acomodando seus feitos em livrinhos de bolso. Mas o pessimismo do Sant’Ana era sábio, sólido, rochoso. O time do Grêmio era balofo, poroso, gasoso.

O que nos interessa agora são as resoluções de ano-novo. Vamos continuar a conversa da semana passada, quando estabelecemos resoluções na área afetiva, social, política, mas não chegamos a um entendimento.

Um dia desses, estávamos devaneando sobre discordâncias e o que não pode ser deliberado, como as mensagens que nos chegam pelas nuvens, e aí entrou na sala o Adagalmir.

Hoje é um daqueles dias sem nuvens, disse o Sant’Ana, espichando o olhar para o infinito. Adagalmir contemplou o céu por alguns segundos e se foi, silencioso, resignado, sem dizer nada.

E ficamos então com mais uma constatação de 2008. A complexa linguagem das nuvens é uma ciência que o Adagalmir ainda não domina. Se o Adagalmir aparecer hoje com provocações sobre futebol, vamos desconversar e, liricamente, falar de nuvens.

Hoje à noite, no Leopoldina Juvenil, a RBS homenageia os jubilados, seus funcionários há mais de 10 anos. É uma festa de reconhecimentos e afetos. Espera-se que o Sant’Ana discurse. Estarei lá, completo 20 anos de casa. Acho até que vou de fatiota.

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