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quarta-feira, 12 de novembro de 2008
12 de novembro de 2008
N° 15787 - DAVID COIMBRA
A influência da chicória na vida das pessoas
A vida é um campeonato de pontos corridos. Empreendi reflexão dolorosa até chegar a essa sentença filosófica.
Pontos corridos.
Quer ver? A gordura. Digamos que uma pessoa que não era gorda tenha se tornado gorda. Imagine uma linha do tempo: a pessoa não é gorda. Não é gorda, não é gorda, não é gorda. Aí fica gorda.
A condição dela muda, entende? De não-gorda para gorda. Há um momento em que isso acontece. Um traço na linha do tempo. Um dia e uma hora precisos. Um instante de passagem em que o não-gordo cruza a aduana, atravessa a fronteira, é alçado à situação gorda.
O que me interessa é o instante em que isso se dá. No caso da gordura, presenciamos esse momento decisivo, certa feita, eu e meus colegas de Zero Hora. Faz tempo, já. Era uma moça que não se tratava de moça gorda, em absoluto. Possante, talvez.
Bem fornida, certamente. Gorda, nunca. Mas uma tarde lá estava ela, encostada ao balcão do bar da Redação, olhando com concupiscência para as guloseimas da vitrine. Tomou a decisão, espetou o indicador no ar e ordenou ao atendente:
– Enroladinho de pizza! É isso que quero: enroladinho de pizza!
Foi na segunda dentada no enroladinho de pizza, abundantemente untado com mostarda e ketchup, quiçá maionese, que a transformação ocorreu.
As células de glicerídios ou lipídios ou ácidos graxos, sabe-se lá, borbulharam pelo seu corpo, glub, glub, e reuniram-se todas e escorreram-lhe pelas veias e acumularam-se exatamente na região fulcral, o setor que decide se uma mulher é gorda ou não, a grande área do corpo feminino, a zona do agrião.
Os flancos. Vulgarmente conhecidos como ancas. E ali, diante dos nossos olhos assombrados, a moça outrora apenas bem fornida tornou-se... gorda.
Foi um privilégio nosso testemunhar um fenômeno da natureza. A velhice também. Há um dia em que a pessoa se torna velha. Não era, até que acorda, sai para a rua e alguém aponta:
– Olha ali aquele velho.
Se tudo der certo, esse dia chegará para todos nós, inexoravelmente, a despeito de todos os cremes franceses e elixires amazônicos.
Semanas atrás, achei que o meu dia havia chegado. Fui ao lançamento dos livros do Faraco e, ao me ver, a Cacá, da L&PM, antes mesmo de dar boas noites, comentou:
– Tu estás abatido... Depois, fomos jantar em turma e, volta e meia, ela me olhava e repetia:
– Mas como tu estás abatido... Ao nos despedirmos, ela pegou nos meus ombros maternalmente e recomendou:
– Vê se dorme bem. Tu estás muito abatido... Cheguei em casa vergado pelo peso dos anos, sentindo-me... abatido.
Mas, na semana passada, fui à Feira do Livro de Passo Fundo, da qual sou patrono, o que muito me honra e orgulha. A primeira pessoa que me encontrou disse, surpresa:
– Como tu és jovem! Em seguida, um repórter de rádio foi me entrevistar e perguntou:
– Como tu te sentes como patrono, sendo assim tão jovem? E, na cerimônia de abertura da Feira, alguém, discursando, me citou:
– O nosso jovem patrono...
Ao voltar para o hotel, olhei-me no espelho e pensei: que belo dia, esse! Será que foi a chicória que comi no almoço?
Chicória tem esse poder rejuvenecedor, como se sabe.
Enfim, se não chegou ainda, meu dia chegará. Com boa sorte, sempre chega a qualquer um. Meu sonho seria deixar registrado na agenda: “22 de maio de 2062: às 14 horas, envelheci”
É como dizia a epígrafe de um livro do Hemingway:
“O discípulo pergunta: – Como você foi à bancarrota, mestre? O mestre:
– Primeiro foi aos poucos; depois foi de repente.”
Campeonato de pontos corridos. Cada pequena vitória, cada um a zero parece irrelevante quando acontece, mas, lá no fim, revela-se decisivo. Ah, se o Grêmio tivesse vencido o Goiás em casa; ah, se não tivesse empatado com o Figueirense; ah, se não fosse aquele quindim;
ah, as massas depois das dez da noite; ah, o sol tomado antes dos 30 anos... No fim, tudo parece fazer diferença. E, na verdade, não é nem exatamente uma coisa, nem exatamente outra. Nós é que fazemos a tabela.
Os times e as pessoas, digo. Vide o Grêmio: parecia moribundo; com uma remobilização, entrou de novo na disputa e tem boa chance de ser campeão. Vide eu em Passo Fundo: remoçado, cheio do viço da juventude. Foi a chicória, cara. Só pode ter sido a chicória.
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