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segunda-feira, 17 de novembro de 2008
LUIZ CARLOS BRESSER-PEREIRA
A crise cambial de 2008
O Brasil fica em situação intermediária; sofreu uma crise cambial porque deixou que o câmbio se valorizasse
A FASE DE pânico foi superada, mas a crise financeira continua forte e está agora se transformando em crise do setor real da economia. Os governos procuram neutralizar seus efeitos mais negativos, mas estes serão tanto maiores quanto mais frágil financeiramente for a economia do país.
Nos países ricos a crise é bancária, e os mais atingidos serão os países que deixaram seus bancos menos regulados, como são os casos dos Estados Unidos e da Grã-Bretanha.
Já nos países em desenvolvimento a crise financeira é uma crise do balanço de pagamentos; não foram os bancos que emprestaram e especularam de forma irresponsável, mas foram os países que se fragilizaram internacionalmente ao permitir que sua taxa de câmbio se apreciasse e seu déficit em conta corrente alcançasse níveis elevados.
Estão nesse caso, entre outros, os países do Leste Europeu, o México e a África do Sul, cujas moedas sofreram forte depreciação.
Em contrapartida, os países asiáticos e a Argentina estão em condição mais confortável porque não permitiram a apreciação do seu câmbio; sofrerão também os efeitos da crise financeira, mas não são, eles próprios, fonte de crise porque não seguiram o conselho da ortodoxia convencional que aconselhava os países em desenvolvimento a "crescer com poupança externa".
O Brasil fica em uma situação intermediária. Sofreu também uma crise cambial porque deixou que sua taxa de câmbio se valorizasse.
A apreciação tinha, naturalmente, o apoio da ortodoxia convencional interna e externa que saudava a volta do Brasil à condição de déficit em conta corrente como a volta à "condição natural das coisas" para os países em desenvolvimento.
O déficit em conta corrente, porém, ainda não estava elevado, não havendo, portanto, um problema de dívida externa insustentável, mas isso não impediu que a crise cambial também se expressasse na depreciação violenta do real. Dada a sobreapreciação anterior do real, o déficit em conta corrente aumentava de forma explosiva.
O fato não passou despercebido pelo mercado financeiro internacional, que se deu conta que neste ano esse déficit chegaria perto de 3% e, em 2009, estaria próximo de 5% do PIB (Produto Interno Bruto).
O Brasil deixou, assim, de ser um mercado seguro para os aplicadores que não hesitaram em suspender a rolagem dos seus créditos. Ao contrário das crises de 1998 e de 2002, esta foi uma crise financeira "antecipada".
Ao contrário, também, das duas crises anteriores, o país contava com reservas internacionais elevadas, superiores a US$ 200 bilhões.
Esse fato, entretanto, não impediu que a crise se desencadeasse, porque essas reservas foram, no plano interno, construídas com base não em superávits em conta corrente, como é o caso, por exemplo, da China, mas com base em endividamento externo; e, no plano interno, não decorreram de superávit fiscal em reais, mas de endividamento público interno.
Entre 2001 e julho de 2008, as reservas internacionais do Brasil aumentaram em US$ 167,8 bilhões. Nesse período, porém, o saldo acumulado em transações correntes foi de apenas US$ 6,8 bilhões, de forma que 96,4% do aumento das reservas foi obtido pelo país com financiamento externo financeiro e patrimonial (investimentos diretos).
Como não houve superávit público, 100% desse aumento foi financiado com dívida interna. Não é surpreendente que essas reservas não fossem seguras.
LUIZ CARLOS BRESSER-PEREIRA , 74, professor emérito da Fundação Getulio Vargas, ex-ministro da Fazenda (governo Sarney), da Administração e Reforma do Estado (primeiro governo FHC) e da Ciência e Tecnologia (segundo governo FHC), é autor de "Macroeconomia da Estagnação: Crítica da Ortodoxia Convencional no Brasil pós-1994".
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