sábado, 1 de março de 2008


Ponto de vista: Lya Luft

Por que nos mutilamos?

"Uma maturidade tranqüila e uma velhice elegante são mil vezes preferíveis à caricatura em que nos tornamos na busca da juventude eterna"

Numa página de revista, deparo com um espetáculo deprimente: uma mi-lionária americana de 62 anos entra num restaurante expondo a fotógrafos e freqüentadores um rosto tão desfigurado por plásticas, preenchimentos e outros processos que não era só feio e disforme, mas assustador.

Nada mais ali combinava, as sobrancelhas em alturas diferentes, os olhos artificialmente enviesados estavam desemparelhados e o nariz sumia num rosto de lua cheia, fruto de inadequados esticamentos e exageradas invasões.

Há poucos dias vi por acaso uma conhecida que não encontrava fazia anos. Reconheci-a de longe, de costas para mim, e quando ela se virou na cadeira senti um choque. O corpo elegante de uma mulher madura era o mesmo.

O rosto era uma coisa redonda e intumescida, lisa, com pouco das verdadeiras e simpáticas feições de que eu me lembrava tão bem.

Os lábios estavam enormes, com algo de genital, os olhos pareciam pequenos demais, e seu nariz adunco, em lugar de ter sido corrigido para um pouco menos adunco – embora nunca tivesse sido feio –, era uma pobre batatinha perdida numa paisagem hirta e inexpressiva.

Ilustração Atômica Studio

Sei que no folclore a meu respeito consta entre outras coisas que sou "contra cirurgia plástica". Nada mais incorreto e tolo.

Eu mesma, viúva pela primeira vez aos 49 anos, de maneira súbita e brutal, aos 51 tinha o rosto tão devastado pelo abalo que um amigo, excelente cirurgião, fez um lifting discretíssimo e pequeno, que não me rejuvenesceu – nem eu quereria –, mas talvez tenha tirado um pouco do ar cansado e triste demais.

Portanto, sou a favor de recursos, não para enganar o tempo, o que em geral acaba em resultados desfavoráveis e patéticos, pedindo sempre mais e mais intervenções, mas para abrandar, eventualmente corrigir.

A fim de que a pessoa, homem ou mulher, se sinta bem na própria pele. Não para que aos 60 a gente pareça ter 30 anos, e aos 80 viva a melancólica ilusão de ter 50.

Não é a juventude que interessa, mas a felicidade e a alegria. Olhar-se no espelho e poder dizer: bem, esta sou eu, aqui está a minha história, o que for excessivo vou corrigir, mas não quero ser uma adolescente eterna, a não ser que minha alma permaneça infantilóide.

Observo uma atriz importante dando entrevista e na contraluz estão evidentes as marcas impiedosas de cirurgias, fios de ouro, ou seja lá o que for, e outras intrusões que aos poucos vão se manifestando.

Logo virão novas intervenções para corrigir aquilo, e assim será, talvez, até o fim da vida. A não ser que um amigo, um familiar ou um médico piedoso lhe diga para parar, em lugar de se torturar numa busca irracional fadada ao fracasso. A angústia por manter-se jovem muito além dessa fase pode levar aos maiores desatinos.

Como os modelos que se nos apresentam em nossa cultura superficial indicam que o bom é ter sempre 15 anos, se não tivermos alguma bagagem interior (o que inclui a cultural) para remar contra a correnteza, em breve faremos parte da legião de mutiladas, as quais têm pouco delas mesmas, peles fanadas expostas em decotes ousados de precários vestidinhos.

Nem todo mundo vai gostar do que escrevo aqui e digo em muitas palestras: dirão que madureza e velhice implicam doença e deterioração. Uma maturidade tranqüila e uma velhice elegante são mil vezes preferíveis à caricatura em que nos tornamos na busca do paraíso perdido, que é também uma ilusão.

Pois a juventude nunca foi a melhor época da vida nem a única época interessante, embora possa cintilar e ferver mais. A cada fase da vida seu próprio encanto e, claro, suas próprias dores.

Então, quem sabe a gente – homens e mulheres – procure gostar de si um pouco mais, trocando a fatal tentativa de negar o tempo por saúde, equilíbrio, beleza real e alegria, que fazem um bocado de falta neste mundo nosso.

Lya Luft é escritora

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