terça-feira, 25 de março de 2008



25 de março de 2008
N° 15551 - Moacyr Scliar


Descobrindo Porto Alegre

Naquela fase da infância em que a gente coleciona tudo, dediquei-me a juntar maços de cigarro (coisa, eu sei, inteiramente incompatível com saúde pública, mas como adivinhar que depois me dedicaria a esta área?).

Ao contrário do que vocês podem imaginar, não era coisa fácil. Atrás dos maços de cigarro percorríamos a cidade, olhando atentamente as sarjetas. Descobrimos assim que os bairros tinham específicas marcas de cigarro.

Nas regiões mais pobres, achávamos os populares Liberty e Colomy; nos lugares mais ricos encontrávamos maços do importado Lucky Strike. Porque os bairros, disso depois dei-me conta, dão testemunho dos diferentes grupos humanos que fizeram a história do Rio Grande do Sul.

A Independência e o Moinhos de Vento falavam do poder e da riqueza, de grandes proprietários rurais, de políticos influentes, de médicos e advogados famosos;

a Floresta e o Bom Fim evocavam imigrantes, gente que cruzara o oceano em busca de uma vida melhor no Novo Mundo. A Cidade Baixa era o território do pitoresco e do humilde. Petrópolis?

Reduto da classe média que começava a se formar e que incluía escritores e intelectuais - Erico Verissimo e Mafalda estavam sempre por ali, caminhando. No Centro tínhamos a então elegante Rua da Praia e o movimentado, popular comércio da Voluntários da Pátria.

Os antigos casarões do Menino Deus lembravam que a cidade também teve sua nobreza. Já o Partenon, apesar do nome grego, era o lado enigmático, misterioso de Porto Alegre: as casas de umbanda e sobretudo o hospício, o Hospital São Pedro, o lugar dos delírios gaúchos.

A Glória, com suas pequenas chácaras, evocava uma idílica vida campestre que estava desaparecendo; e na Praia de Belas víamos o Guaíba que para nós ainda era um rio, não um lago, e que apelava à nossa imaginação de potenciais navegadores.

Num poema famoso, Mario Quintana fala com tristeza das ruas de Porto Alegre pelas quais jamais passaria. Acho que passei por todas as ruas pelas quais poderia passar. Não lembro se encontrei muitos maços de cigarro, mas encontrei a minha cidade (amanhã, de aniversário). E, de certa forma, encontrei a mim próprio.

O Professor do Desejo é o título de um livro do escritor americano Philip Roth. Para o ex-governador de Nova York Eliot Spitzer, Andréia Schwartz deve ter sido uma espécie de professora do desejo.

Ali estava esse homem, atormentado pela ambição e pelos conflitos políticos, em busca de fantasias que pudessem lhe servir de válvula de escape, fantasias que as prostitutas sabem instintivamente como proporcionar.

O fato de Andréia ser brasileira pode ter ajudado: afinal ela vinha do trópico, o lugar onde o sexo triunfa e onde não existe pecado. Spitzer pagou um alto preço por suas fantasias, e não apenas em desvalorizados dólares.

Agora ele e sua estóica mulher terão muito tempo para descobrir o que deu errado. Talvez possam, com um pouco de sorte e de sabedoria, transforma-se em professores do desejo um para o outro.

Nenhum comentário: