sexta-feira, 14 de março de 2008



Jaime Cimenti
14/3/2008


Raiz das idéias de moral e política de Dostoiévski

A novela Notas do subsolo, de 1864, como se sabe, não é a obra-prima do genial escritor russo Fiódor Dostoiévski, autor de clássicos da literatura universal como Crime e Castigo, Os irmãos Karamazóv e O jogador.

Todavia, quem quiser conhecer a origem das grandes idéias de moral e política do intelectual moscovita e um dos marcos de sua volumosa obra, deve ler Notas do subsolo, que a L&PM apresenta em versão de bolso, com tradução cuidadosa, a partir da versão em russo, feita por Maria Aparecida Botelho Pereira Soares.

A novela é escrita do início ao fim na primeira pessoa, pretensamente pelo protagonista-narrador, em forma de um angustiante e autoflagelante monólogo, no qual, com extrema ironia provocativa e desafiadora, o rebelde personagem se mostra contrário ao materialismo e ao conformismo, discute profundamente sua visão negativa do mundo e enfrenta as questões mais importantes de seu tempo.

Dostoiévski nasceu em 1821, em Moscou, e faleceu em 1881, em São Petesburgo. Sua mãe morreu em 1837, de tuberculose, e o pai em 1839, em circunstâncias misteriosas.

Em 1843, ele concluiu os estudos de Engenharia e obteve o grau militar de subtenente. Em 1844 abandonou o exército, começou a escrever, lançou a novela Pobre gente, que foi bem acolhida pela crítica. Nessa época contraiu dívidas e sofreu o primeiro ataque epilético.

Depois escreveu algumas obras que não obtiveram sucesso, envolveu-se em luta política contra o czar Nicolau I e, em 1849, foi preso e condenado. Em dezembro daquele ano quase foi fuzilado. A morte foi substituída por uma pena duríssima de cinco anos de trabalhos forçados na Sibéria.

Depois dessa terrível experiência escreveu Memória da casa dos mortos e os clássicos de sua carreira. Notas do subsolo tem duas partes.

Na primeira, o protagonista mostra suas visões políticas, discute questões filosóficas e sociais da Rússia e polemiza com Kant, Darwin, os socialistas utópicos franceses e russos, os escritores e intelectuais revolucionários e outras celebridades.

Na segunda parte, fala de três episódios de sua vida, mostra-se um herói ou anti-herói e um "homem subterrâneo", obcecado por sua própria impotência de lidar com a realidade que o cerca e aí investe contra tudo e todos.

Na primeira parte, o estilo é mais direto, jornalístico; na segunda, a narrativa apresenta mais técnicas literárias e revela o imenso talento do escritor.

O fato é que o personagem central da obra tornou-se um dos principais arquétipos de muitas obras da ficção européia moderna. Autores como Kafka, Sartre, Hesse e Camus se inspiraram no "homem subterrâneo".

Enfim, mesmo sem ser uma obra monumental, como Crime e castigo, Notas do subsolo passou com brilho pelo julgamento dos professores, dos leitores e do tempo e está aí, mostrando que é um verdadeiro golpe de mestre da psicologia, no dizer de Friedrich Nietzsche. 152 páginas, R$ 10,50. L&PM Pocket, telefone 3225 - 5777.

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