sábado, 29 de março de 2008



30 de março de 2008
N° 15556 - Martha Medeiros


Aventureiros

Ter uma família não é nada ruim para quem tem espírito de aventura.

Mas, para quem não lida bem com o imponderável, o melhor é deixar pra lá

Você está na dúvida se quer ter filhos, então resolve visitar um casal de amigos que tem duas crianças. É a oportunidade de observar a rotina de uma família bem constituída e descobrir se é um modelo de vida que você e seu marido gostariam de reproduzir. A grande noite chega. O menino tem 6 anos, e a menina, 3.

A casa está um circo, há um pano amarelado aparecendo por baixo do sofá e na televisão está passando o DVD do Shrek. "Ninguém mais ouve música aqui em casa, só trilha sonora infantil", comenta sua amiga com um sorriso perturbado. Aliás, sua amiga não senta, está sempre em pé, de um lado para o outro.

A menina não quer comer nada. O menino diz que está sem sono, apesar de tropeçar nas próprias pernas. A menina abre sua bolsa (não a dela: a sua!), tira de dentro o celular e aperta em todas as teclas.

O menino chora porque não quer ir pra cama: não quer, não quer, não quer. A menina dança no meio da sala e não deixa ninguém conversar, exige a atenção todinha pra ela. O garoto passa voando por um copo e o quebra.

A menina pede para você emprestar a pulseira que você está usando, aquela feita de delicadíssimos cristais que podem arrebentar por qualquer coisinha. Ao sair do jantar, você e seu marido olham um para o outro, se beijam no elevador e, sorrindo, decidem: claro que vamos ter os nossos! Vai ser totalmente diferente!

Não adianta. Quem nunca teve filho projeta um futuro mirabolante: "Os meus serão calmos, estudiosos, comerão só alimentos saudáveis, dormirão cedo, não fumarão, serão sociáveis, esportistas, gostarão de livros, viverão junto à natureza, terão muitos amigos e irão à missa".

Amém. Você pode evitar de ter uns pestinhas, educação funciona. Mas é bom estar preparado para imprevistos. Filho é uma incógnita.

Pode odiar tudo o que você adora, pode ter um humor diferente do seu, pode querer morar numa comunidade no meio do mato, pode não ser chegado aos estudos, pode ser um gênio: nosso controle é relativo. Muitíssimo relativo. Quem acha que ser mãe e pai é criar alguém à sua imagem e semelhança, começa mal.

Ter filhos é um ótimo projeto pra quem não é egoísta e entende o significado das palavras responsabilidade, respeito, adoração e liberdade. Filhos são outras pessoas, não são nós.

Não querê-los é um desejo tão legítimo quanto querê-los, encontra-se felicidade em qualquer situação, não obrigatoriamente nas convenções.

Mas creiam-me: vale a pena. Uma filha quer ser médica, a outra quer trabalhar com moda. Uma anda com saias curtíssimas e pinta as unhas de rosa-choque, a outra não tira o jeans e o All Star.

Uma sonha em conhecer o mundo todo, a outra reclama de almoçar fora. Uma toca guitarra, a outra é um projeto de patricinha. E ambas odeiam o verão!! Fazer o quê, internar?

Me divirto com as minhas duas. Ter uma família não é nada ruim, mas sempre vai ser muito diferente do que se imaginou.

Portanto, pra quem tem espírito de aventura, bem-vindo a bordo, mas quem não lida bem com o imponderável, melhor mesmo deixar pra lá. Ou é um prazer, ou melhor não ter.

Um excelente domingo especialmente para você. Vá na Redenção ou ao Moinhos de Vento, ou ao Marinha, não importa. Respire ar puro, caminhe e divirta-se neta Semana de Porto Alegre.

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