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sábado, 15 de março de 2008
15 de março de 2008
N° 15541 - Paulo Sant'ana
Holocausto ou tortura
Só o princípio da liberdade irrestrita da imprensa, consagrado em todas as Constituições civilizadas e democráticas, pode justificar o absurdo que alguns órgãos de comunicação estão cometendo: perguntam, em pesquisas com seus leitores, ouvintes e telespectadores, se eles são favoráveis ou contrários à tortura.
Nunca vi um disparate na lógica tão tonitruante.
Perguntar para os leitores se eles aplaudem ou condenam a tortura é o mesmo que indagar-lhes se eles são a favor ou contra o Diabo. Ou se são a favor ou contra o mal. Isto é um incomparável insulto à inteligência e à ética.
A tortura é um dos mais hediondos crimes cometidos pelo homem. Arrisco dizer que é o mais hediondo entre todos os crimes, quiçá se igualem a ele neste aspecto o aborto criminoso e o estupro de criança.
O aborto sendo um sinônimo de tortura, em razão de que é absolutamente impossível ao feto, no útero, reagir aos ferros que vão lá assassiná-lo, esboçar qualquer chance de defesa.
Na tortura também a vítima está inteiramente submetida ao torturador. E é mais hedionda a tortura do que o aborto porque neste último o crime se comete de um só lance, não há repetição da agressão, enquanto a tortura mais comum é aquela em que o torturador, com a vítima à sua mercê, agride-a durante vários dias, às vezes meses, talvez até anos.
A tortura é tanto mais hedionda também porque ela contém a chantagem com bastante freqüência: o torturador promete à vítima que parará de torturá-la se ela confessar o que interessa ao abominável criminoso, quase sempre uma autoridade ou um seu agente.
Ou seja, a tortura é sempre ou quase sempre cometida por alguém investido da lei, às vezes do governo, sempre de um poder.
Que crime abominável o da tortura!
Nesta semana, ouvi um debate em que um delegado de polícia disse que, com os métodos modernos de investigação, não é necessária mais a tortura. Nunca vi nada mais equivocado.
Li fartamente sobre a polícia norte-americana e sobre a lenda de que ela não tortura. Pois, pasmem os leitores. Com detector de mentiras, outras tecnologias avançadas e permissíveis de interrogatório, com a criminalística mais avançada e aparatosa do planeta, toda a polícia norte-americana tortura. Cuidem bem, não estou dizendo que todos os policiais de lá torturam.
Mas todas as polícias de lá, inclusive o FBI, torturam. Desde envolver com um saco plástico a cabeça do torturado, fechando o saco no pescoço e assim asfixiando a vítima, até a bofetada, o choque elétrico, a prensagem sobre os testículos.
Grande balela a de que a polícia norte-americana não tortura, os filmes são mentirosos em sua esmagadora maioria. E o pior é que a maioria das pessoas acredita nesta balela.
Que foi desmascarada pela imprensa de todo o mundo recentemente, quando
saíram publicadas em todos os jornais, com fotos e depoimentos, as torturas sórdidas cometidas por militares norte-americanos contra iraquianos e demais insurgentes, como também contra prisioneiros na base americana de Guantánamo.
Grande balela. Desmascarada.
Perguntar, então, se os clientes dos meios de comunicação são a favor ou contra a tortura é uma imbecilidade dialético-ideológica.
Nada mais néscio, mais ilógico, mais atentatório à razão. Esta é a parte burra e estúpida da questão.
A parte perversa da questão é a justificativa que os patifes dão para a tortura: defendem-na quando ela é cometida somente para obter confissão do torturado.
E sofisticam ainda mais a perversidade, licenciando praticamente todas as torturas, quando declaram que a tortura tem de ser adotada se da confissão do torturado redundar a solução de um crime ou servir para evitar um crime futuro que está sendo engendrado, a mais comum fórmula dos últimos tempos, no que se refere ao terrorismo.
Não tenho dúvida em concluir, portanto, que a tortura não é um crime cometido por humanos. Ela é própria de animais, de feras, da mais abjeta espécie de pessoas que se conhece.
A tortura devia ser declarada um crime contra a humanidade.
Aliás, ela já assim foi declarada. Porque todos os holocaustos cometidos pelos homens contra homens nada mais foram do que mera tortura.
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