quinta-feira, 13 de março de 2008



13 de março de 2008
N° 15539 - Luiz Pilla Vares


De volta aos anos 50

Não existe tempo e lugar melhor para a leitura do que umas férias à beira-mar. Este ano levamos uma mala cheia de livros, todos de qualidade. Mas quero repartir com os meus 17 leitores minha alegria pela (re)descoberta de um deles.

Trata-se de O Primeiro Terço, do norte-americano Neal Cassady, editado com muito bom gosto pela gaúcha L&PM. Foi um autêntico reencontro com a velha e boa literatura beat dos Estados Unidos de Jack Kerouac, William Burroughs, Carl Solomon, Allen Ginsberg e Lawrence Ferlinghetti.

Cassady, fortemente influenciado por Marcel Proust, é reconhecido pelo mais famoso dos beats, Jack Kerouac, como o pioneiro e admite que o seu célebre On The Road, a mais famosa das obras beats, teve em Neal Cassady uma fonte inspiradora.

O Primeiro Terço é um livro autobiográfico, que se distingue por sua linguagem forte, ácida, de uma infância e uma primeira adolescência vividas no Oeste dos Estados Unidos, por isso o título.

Mas é também um livro visceralmente sem esperança, impiedoso com as condições de vida da chamada América Profunda, com a deterioração das relações familiares, sempre envoltas em condições econômicas cada vez piores.

É uma obra amarga, mas de uma honestidade cristalina, que, como uma câmera cinematográfica, vai reconstruindo os pedaços da memória que se juntam de forma magnífica para recuperar a parte mais significativa da vida do autor antes de seus históricos encontros com os que se tornariam seus amigos e colegas da geração beat.

A obra de Cassady não descortina a perspectiva de qualquer saída. Antes, está claramente presente o "eterno retorno" nietzschiano (Nietzsche é outra influência marcante, além de Proust).

Lawrence Ferlinghetti lembra na bela Nota escrita à guisa de prefácio que "a descrição que Cassady faz desse mundo de antes da guerra tem a qualidade de um velho filme mudo - é a quinta-essência da experiência solitária do Oeste daquele tempo - o Vagabundo de Chaplin caminhando em direção ao futuro...

Assim, o relato da primeira experiência errante de Cassady torna-se matéria-prima original para o velho mito do Oeste Selvagem, como se ele representasse a última geração dos heróis populares - um protótipo arcaico do cowboy urbano que há cem anos seria um nômade fora-da-lei (é como Kerouac o vê em On The Road)".

A bela edição da L&PM contém ainda cartas e fragmentos escritos por Neal, que ajudam a conhecer mais de perto a geração beat, a mais expressiva corrente literária da moderna história norte-americana.

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