sábado, 29 de março de 2008



29 de março de 2008
N° 15555 - Cláudia Laitano


Você não está sozinho

No início dos anos 90, uma pequena grande banda chamada R.E.M. gravou a música Everybody Hurts - algo como "todo mundo sofre".

A letra, simples e eficiente, lembra que as dores vão e vêm - e que por mais solitária que pareça uma experiência de infelicidade, ela é inevitavelmente compartilhada por boa parte da espécie: "Segure a onda/ Todo mundo sofre/ Você não está sozinho".

Essa canção doce e triste, que desde então tem servido de conforto em momentos difíceis para fãs de todas as idades, foi originalmente composta mirando o público adolescente.

Não os garotos de propaganda de refrigerante, sempre sorridentes e com a chapinha em dia, mas aqueles de carne, osso e espinhas, que enfrentam com dificuldade as mudanças e os novos desafios que vêm com o fim da infância.

Quem já teve 15 anos sabe como nessa etapa da vida é difícil colocar idéias e sentimentos sob perspectiva, entender que tudo que parece definitivo e absoluto, e às vezes doloroso, tende a não ser tão grave assim.

O clipe da música, outro pequeno clássico pop, mostra pessoas trancadas em um congestionamento, absorvidas por seus dramas cotidianos, cercadas de gente e ao mesmo tempo isoladas. O alvo eram os jovens, mas adultos de qualquer grande cidade identificam a cena. A solidão urbana é quase tão universal quanto as crises da adolescência.

"Você não está sozinho" parece voltar a dizer Michael Stipe, vocalista e compositor do R.E.M, ao falar publicamente de sua homossexualidade em uma reportagem publicada na semana passada na revista americana Spin.

Para quem acompanha a carreira da banda, a revelação não é exatamente surpreendente - muito pelo contrário. Mesmo assim, durante anos Michael Stipe foi cobrado por não fazer uma declaração pública explícita como essa que foi publicada agora pela revista.

Em parte, pela curiosidade maliciosa que cerca a vida de todas as celebridades - especulações sobre a vida sexual dos famosos fazem sucesso desde os tempos de Cleópatra - , mas também pelo significado simbólico de uma declaração desse tipo.

Aos 48 anos, o cantor admitiu que apenas agora chegou à conclusão de que falar de um assunto privado poderia ser importante para outras pessoas: "Hoje eu reconheço que ter figuras públicas que falem abertamente sobre sua sexualidade pode ajudar algum garoto, em algum lugar".

Em uma época em que anônimos e celebridades fazem da exposição da vida privada quase um gênero paralelo de ficção, a entrevista de Michael Stipe poderia soar banal - assim como a da atriz Jodie Foster, também assumindo a homossexualidade em público pela primeira vez, em dezembro do ano passado.

Mas para aqueles artistas que preferem se impor pelo trabalho e não pelas peripécias da vida particular, revelações desse tipo nunca são banais. E se justificam apenas quando servem a um propósito que ultrapassa suas trajetórias individuais.

Com suas declarações, Michael Stipe e Jodie Foster ajudam a desmistificar uma condição que pode trazer sofrimento para adolescentes e suas famílias quando faltam esclarecimento e empenho para lidar com a questão de forma honesta e natural.

Às vezes, um simples "você não está sozinho" pode fazer toda a diferença.

Nenhum comentário: